Com um forte setor agrícola, a França opõe-se ferozmente ao acordo e, sem distinção de partidos políticos, considera-o “um punhal nas costas” e uma “traição” por parte de Von der Leyen, enquanto a Alemanha espera que o acordo constitua uma tábua de salvação para o seu setor industrial em declínio, especialmente a indústria automóvel.
A Comissão Europeia, que tem o poder de negociar em nome dos Estados-Membros, está a pressionar para a assinatura final do acordo de parceria mais abrangente do mundo, com uma população combinada de mais de 700 milhões de pessoas, entre os receios de que a China, que já expandiu a sua presença e investimentos na região, ultrapasse o bloco da UE.
Sem esquecer que Bruxelas se prepara para a segunda presidência do republicano Donald Trump nos EUA, em janeiro, e para uma possível nova política tarifária, que avançou na sua campanha.
No campo da Alemanha estão, entre outros, a Espanha e Portugal. O primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez afirmou que o acordo servirá para construir uma “ponte económica” sem precedentes entre a Europa e a América Latina, enquanto o chefe de Estado português Marcelo Rebelo de Sousa acrescentou que “representa uma oportunidade única para as empresas e a economia dos dois lados do Atlântico” e apelou à sua ratificação.
Esta divisão de opiniões entre a Alemanha e a França, os dois maiores e mais influentes países do clube da UE, ameaça enfraquecer os alicerces da União Europeia.
E isto numa altura, aliás, em que as eleições legislativas alemãs estão à porta (23 de fevereiro) e o presidente francês Emmanuel Macron procura um sucessor para o conservador Michel Barnier na chefia do governo, depois de ter caído há quatro dias numa moção de censura.
Num mundo marcado por tensões geopolíticas e tentações protecionistas, o presidente do Conselho Europeu, António Costa, decidiu reservar a hora de almoço da primeira cimeira europeia que organiza, a 19 de dezembro, para debater com os líderes europeus o papel da UE no mundo e “o comércio na promoção da prosperidade dos dois lados do Atlântico”.
Será, portanto, a primeira oportunidade para os líderes europeus confrontarem cara a cara as suas posições sobre o acordo UE-Mercosul, que tem de ser aprovado pelo Conselho da UE, pelo Parlamento Europeu (o que também se afigura tortuoso) e, dependendo da base jurídica do pacto - ainda por determinar -, possivelmente também pelos parlamentos nacionais dos Estados-Membros da UE.
Entretanto, o Comité das Organizações e Cooperativas Agrícolas Europeias (Copa-Cogeca) já está em pé de guerra e, assim que foi conhecida a notícia do acordo, convocou “uma ação relâmpago de protesto em Bruxelas”, coincidindo com uma reunião dos ministros da Agricultura e Pescas da UE.
Segundo o Copa-Cogeca, o capítulo agrícola do acordo é “desequilibrado” e, entre os setores sensíveis, menciona a carne de bovino, as aves de capoeira, o açúcar, o etanol e o arroz.
A Coordenação Europeia Via Campesina (pequenos e médios agricultores) afirmou que vai continuar a mobilizar-se contra o acordo comercial “e, de uma forma ou de outra, vão acabar com ele”.
Igualmente combativa foi a plataforma CAN Europe, composta por mais de 1.700 organizações ambientais europeias, que, para além das considerações ambientais, afirmou que o acordo “sombrio” é “um ataque frontal” à democracia, porque foi negociado em “silêncio absoluto”.