Talleres Filsa, S.A.U.
Informação profissional para a agricultura portuguesa
Entrevista a Gonçalo Morais Tristão, presidente do COTR

“As políticas e estratégias devem ser pensadas com a participação dos agricultores através das suas organizações representativas”

Gabriela Costa12/12/2024
Segundo o diretor geral de Agricultura, o PDR2020 tem uma taxa de execução de 96%, faltando apenas executar os restantes 4% em 2025
A proteção do ambiente e a defesa da biodiversidade não devem estar de costas voltadas para a agricultura, que produz os alimentos necessários a todos
Espera-se que a Agenda de Investigação e Inovação para o Regadio crie no setor uma vontade de contribuir para uma agricultura cada vez mais eficiente

O X Congresso Nacional de Rega e Drenagem reuniu entre 13 e 15 de novembro, em Alcobaça, especialistas, empresários, académicos e agricultores, revelando “a grande preocupação do setor nas decisões que venham a ser tomadas acerca da gestão futura dos recursos hídricos e do planeamento estratégico do regadio”, como sublinha Gonçalo Morais Tristão, presidente do COTR.

Gonçalo Morais Tristão, presidente do COTR - Centro Operativo e de Tecnologia de Regadio

Gonçalo Morais Tristão, presidente do COTR - Centro Operativo e de Tecnologia de Regadio.

Que balanço faz do X Congresso Nacional de Rega e Drenagem a nível de afluência e participação nacional e internacional, networking e mobilização dos profissionais do setor para o objetivo de “melhorar o uso e gestão da água de rega”?

Neste tipo de eventos o COTR pretende promover o debate sobre temas atuais referentes ao regadio em geral, trazendo para o palco especialistas de várias áreas que possam apresentar as suas perspetivas e o seu conhecimento acerca das várias matérias. O COTR tem incentivado também as várias universidades e politécnicos com ensino agrário a fazerem apresentações dos seus projetos dedicados aos temas da rega e do regadio nestes eventos.

O X Congresso Nacional de Rega e Drenagem foi um sucesso nestas duas modalidades, com excelentes apresentações dos oradores e comentadores convidados, que proporcionaram uma viva troca de impressões e de pontos de vista. No que se refere aos projetos dinamizados pela academia sentiu-se a preocupação das escolas que promovem o ensino agrário de estudar novas vias que conduzam a uma utilização da água na agricultura cada vez melhor, mais sustentável e sem esquecer a produtividade.

Finalmente, e sendo o congresso um encontro entre especialistas, empresas relacionadas com a rega, academias e agricultores, realço a importância de se ter proporcionado o debate e o diálogo entre todas as partes, mantendo um networking muito interessante.

Mesa Redonda 'Água, Agricultura a Ambiente - Uma abordagem Integrada da Gestão da Água'

Mesa Redonda 'Água, Agricultura a Ambiente - Uma abordagem Integrada da Gestão da Água'.

Quais foram as temáticas mais debatidas pelos três keynotes e demais oradores, no âmbito das quatro áreas em análise: Alterações Climáticas; Gestão Integrada da Água; Inovação e Tecnologia; e Comunicação?

O congresso foi dividido nestas quatro áreas temáticas, iniciando-se a apresentação de cada tema com a intervenção de especialistas convidados. Na primeira sessão, em que se abordou a gestão integrada da água, coube ao consultor Pedro Serra a intervenção inicial, na qual, como profundo conhecedor destas matérias, defendeu a gestão integrada dos recursos hídricos em modelos de empreendimentos de fins múltiplos, dando como exemplo de sucesso o caso de Alqueva. Defendeu ainda a necessidade da construção de um quadro legislativo que possa absorver a realidade atual.

Na mesa-redonda que se seguiu, foi realçada a necessidade de desburocratizar e simplificar o licenciamento na área dos recursos hídricos, bem como a continuação das obras de reabilitação e modernização dos aproveitamentos hidroagrícolas, com o objetivo de reduzir as perdas de água. Foi defendida ainda a atualização da legislação, nomeadamente o Regime Jurídico das Obras dos Aproveitamentos Hidroagrícolas, adaptando-a à realidade atual. O diretor-geral de Agricultura deu nota que o PDR2020 já tinha uma taxa de execução de 96%, faltando apenas executar os restantes 4% em 2025.

Na parte da tarde abordou-se o tema da Inovação e Tecnologia, com apresentações iniciais do professor José Maria Tarjuelo, da Universidade de Castilla La Mancha e do Investigador Joan Girona, do IRTA. O primeiro falou da importância dos dados e dos diversos instrumentos digitais de apoio à decisão no meio agrícola, com especial enfoque na monitorização e na racionalização da utilização da água na rega das culturas. Com muito trabalho de investigação no tema do uso eficiente da água na agricultura, Joan Girona destacou a evolução da eficiência dos sistemas de rega, na medida em que fornecem cada vez mais informação detalhada do estado hídrico das plantas. Advertiu também para a necessidade de se conseguir um equilíbrio entre a informação que o agricultor obtém através das várias ferramentas de que dispõe e a observação que faz no campo. Na mesa-redonda que se seguiu, os vários intervenientes destacaram que a transformação digital da agricultura precisa de mais literacia e capacitação dos agricultores, apontando o papel crucial da academia neste domínio.

No segundo dia do congresso, o professor Miguel Miranda, antigo presidente do IPMA, deu uma lição magistral sobre as consequências das alterações climáticas, advertindo para que se deve começar a pensar no cenário mais pessimista, o RCP8.5 [que representa um nível mais alto de emissões e um cenário de mudança climática mais severo]. Enalteceu, no entanto, o percurso feito pela agricultura e pelos agricultores nos últimos anos, sobretudo em Portugal. A mesa-redonda sobre este tema manteve um debate muito vivo, onde se confrontaram duas visões opostas, uma mais na perspetiva da proteção do ambiente e da biodiversidade e outra pondo ênfase na produção e na produtividade das culturas. Neste ponto, e decorrendo o congresso em Alcobaça, foram bastante evidenciadas as grandes dificuldades por que está a passar a cultura da pêra-rocha, que não consegue erradicar nem controlar a doença do fogo bacteriano, em face das restrições impostas pela regulamentação europeia, nomeadamente o Green Deal, que limita muito o uso de pesticidas na agricultura.

Finalmente, o último tema trazido ao congresso foi o da comunicação. Por se sentir que o setor agrícola tem, em geral, dificuldade em comunicar para a opinião pública as suas externalidades positivas, a organização do congresso convidou uma especialista em comunicação, Carla Rocha, completamente externa ao setor, para abordar esta temática. A oradora defendeu a ideia de que a mensagem é tanto mais percebida pela opinião pública quanto mais simples for. Os intervenientes no debate que se seguiu foram unânimes em considerar que o setor agrícola ainda tem de fazer um percurso longo neste domínio, mas não deixaram de dar exemplos de boas práticas e de sucessos já alcançados em alguns setores da produção de alimentos.

Mesa Redonda 'Regadio, Inovação e Tecnologia'

Mesa Redonda 'Regadio, Inovação e Tecnologia'.

Que principais conclusões se podem retirar do evento a nível de desafios e oportunidades do regadio nacional no setor agrário?

Como conclusões principais deste X Congresso Nacional de Rega e Drenagem pode-se apontar a grande preocupação do setor nas decisões que venham a ser tomadas pelo poder político acerca da gestão futura dos recursos hídricos e do planeamento estratégico do regadio em Portugal. Nesse sentido, existe alguma expetativa para perceber o que o governo atual vai decidir e implementar neste domínio, a partir do relatório que o grupo de trabalho ‘Água que Une’ irá produzir até ao final do corrente ano.

Outra conclusão é a necessidade de formação contínua dos agricultores e dos técnicos para o uso da multiplicidade de ferramentas da designada agricultura de precisão, postas à disposição do agricultor para ser mais eficiente no uso dos recursos e mais produtivo.

Outra conclusão que me parece evidente, considerando as diversas formas de olhar para as condições em que o setor agrícola europeu produz alimentos, é a de que as políticas e as estratégias devem ser pensadas com a participação dos agricultores através das suas organizações representativas. A proteção do ambiente e a defesa da biodiversidade não devem estar de costas voltadas para a agricultura, que produz os alimentos necessários a todos. Neste sentido, o diálogo estratégico idealizado pela presidente da Comissão Europeia é muito bem-vindo.

Mesa Redonda 'Alterações Climáticas e Regadio - Medidas de Adaptação'

Mesa Redonda 'Alterações Climáticas e Regadio - Medidas de Adaptação'.

O que revelam os trabalhos técnicos e científicos apresentados, ao nível de tendências na agricultura? Qual é o atual papel da tecnologia e da inovação na gestão da rega e do regadio?

A maior parte dos trabalhos científicos e técnicos apresentados durante o congresso têm um escopo comum, que é o de proporcionar ferramentas que auxiliem o setor agrícola a ser cada vez mais eficiente na utilização dos recursos e na proteção do meio ambiente.

Mencionou-se, entre outros assuntos, o uso das previsões meteorológicas na rega de determinadas culturas, a disposição de painéis fotovoltaicos para apoio à rega, serviços de apoio à decisão na rega, proteção dos recursos hídricos em determinados agroecossistemas, o potencial de reutilização de águas residuais em contexto agrícola, soluções baseadas na natureza, Living Labs para reutilização da água em meio rural e qualidade da água da rega. Outros trabalhos, noutra perspetiva, mostraram, por exemplo, o sucesso do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva (EFMA), com a apresentação dos ‘grandes números’, o desafio da gestão hídrica em cenários climáticos futuros, a necessidade da implementação de um simplex ao nível do licenciamento dos recursos hídricos, dada a excessiva burocratização existente, ou mesmo o desafio da implementação de uma rede nacional da água.

Quanto ao papel da tecnologia e da inovação na gestão da rega e no regadio ficou bem evidente nos debates que tiveram lugar que o regadio eficiente deve usar formação e informação, bem como as tecnologias que tem à disposição, e que esse caminho deve prosseguir com a ajuda da academia e das empresas.

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Visita técnica à Campotec

Visita técnica à Campotec.

Quais são as grandes preocupações do COTR no que respeita a rega e drenagem, tendo em conta o seu propósito de potenciar o desenvolvimento agrário?

O COTR foi constituído em 1999 com a preocupação de auxiliar o meio agrícola na transformação da agricultura de sequeiro em agricultura de regadio, na zona em que nascia o EFMA. No cumprimento dessa missão, o desígnio principal era o de promover e divulgar o conhecimento técnico e científico no sentido de incentivar o agricultor a seguir as boas práticas no uso eficiente da água na rega das suas culturas. Longe de ser um chavão, esse objetivo continua a ser fundamental nos dias de hoje. Para o atingir, o COTR tem estabelecido, ao longo da sua história, uma relação muito direta com os agricultores regantes, caminhando com eles no percurso da eficiência do uso da água, e auxiliando-os quer no conhecimento do funcionamento dos seus sistemas de rega e da sua manutenção, quer no fornecimento de dados agrometeorológicos das 14 EMAs do COTR, quer na formação, nomeadamente, sobre equipamentos.

Por outro lado, ao nível das grandes áreas dedicadas ao regadio (perímetros de rega), o COTR tem feito trabalhos de monitorização de solos de modo a que se perceba a evolução do seu estado com a introdução do regadio e dos novos sistemas culturais. Esta relação do solo com a rega é, hoje, um tema que merece estudo.

Outra preocupação sentida pelo COTR tem a ver com a situação de escassez ou limitação de recursos hídricos, pelo menos em algumas áreas. Esta realidade pode obrigar à implementação de práticas de rega diferentes, por exemplo a rega deficitária, para as quais temos de estar atentos, desenvolvendo estudos de benchmarking e experimentação.

Quais são as prioridades da Agenda de Investigação e Inovação para o Regadio, apresentada no evento, especialmente no que respeita ao uso eficiente e sustentável da água de rega?

A Agenda de Investigação e Inovação para o Regadio, apresentada sob a forma de proposta no congresso, constitui uma das obrigações do COTR, reconhecido como Centro de Competências para o Regadio Nacional em 2018. Entendeu-se que apenas a partir do conhecimento, da investigação e inovação, da tecnologia e da formação entre todos os agentes envolvidos será possível alcançar um modelo de crescimento mais equilibrado e sustentável do regadio. Neste sentido, esta agenda para o regadio pretende delinear um conjunto de estratégias e de ações no setor do regadio que configurem mudanças estratégicas e que permitam, por um lado, a resolução de problemas e conflitos, e por outro, identificar e divulgar boas práticas a implementar e já implementadas.

As prioridades identificadas na Agenda dividem-se nos seguintes cinco eixos ou áreas temáticas: Disponibilidade e Qualidade dos Recursos Hídricos; Inovação e Melhoria das Infraestruturas Hidráulicas e de Rega; Sustentabilidade e Rentabilidade do Regadio; Tecnologias e Sistema de Informação de Suporte ao Regadio; Formação, Comunicação e Divulgação. Dentro de cada área temática é elencado um conjunto de ações e medidas que se considerou ser importante para melhorar a sustentabilidade e eficiência no uso da água no regadio em Portugal. Todas as medidas foram consideradas essenciais para a prossecução do objetivo, pelo que não se pode priorizar umas em detrimento de outras. Mas, para dar exemplos, posso referir a promoção de projetos que estudem e viabilizem opções culturais de acordo com as disponibilidades hídricas; a promoção da aplicação de novos materiais, soluções técnicas ao nível do perímetro de rega que permitirão melhorias nas condições de armazenamento e no transporte de água; a definição de estratégias de rega deficitária controlada, por cultura, e a determinação das produtividades médias da água, tendo em conta outros fatores (poda), numa lógica de gestão de risco; o estudo e a definição dos limiares das necessidades hídricas das culturas por região e a promoção do estudo da adaptação de novas culturas/variedades com aptidão ao regadio; e o desenvolvimento de estratégias de comunicação para transmitir uma nova imagem e valor do regadio (externalidades positivas do regadio).

Na prática, o que poderá mudar no setor com a aplicação desta Agenda, considerando que em Portugal o regadio é responsável por 60% da produção agrícola, mas apenas 16% do total de hectares de superfície agrícola utilizável está equipado para regadio?

A nossa expectativa é que a Agenda sirva efetivamente como um referencial para a orientação de políticas públicas no domínio do regadio, uma vez que resulta dos contributos não só do COTR mas de muitas outras entidades, públicas e privadas, que pensam e atuam neste setor.

A agricultura de regadio tem mostrado o seu dinamismo, contribuindo fortemente para o sucesso, em termos de produtividade, de alguns produtos, com reflexos muito positivos na balança comercial do setor agroalimentar. As áreas de regadio têm também um papel determinante na fixação das populações no interior. Esperamos, assim, que as medidas previstas na Agenda possam ajudar a que a opinião pública tenha uma melhor imagem da agricultura e do regadio, que reflita, com exatidão, as suas externalidades positivas.

Finalmente, sendo a Agenda um documento aberto e dinâmico, que será atualizado regularmente, espera-se que crie no setor uma vontade de contribuir para o desenvolvimento de uma agricultura cada vez mais eficiente na utilização dos recursos.

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