Informação profissional para a agricultura portuguesa

Projetos como o Tribiome estão a levar a cabo validações específicas de estirpes microbianas com o objetivo de melhorar a cultura do trigo, desde ensaios laboratoriais in vitro a demonstrações no terreno

Novos microrganismos criados de forma sustentável para o melhoramento das culturas de trigo

Yaiza Gómez, Enrique Cubas, Annabel Serpico, Rosa Doménech Centro Tecnológico ITENE

27/11/2024
O aumento constante da população, associado aos efeitos adversos das alterações climáticas, são desafios globais que obrigam a nossa sociedade a procurar soluções inovadoras para a agricultura. Neste contexto, são necessárias abordagens que promovam o desenvolvimento, a industrialização e o estabelecimento de tecnologias sustentáveis e respeitadoras do ambiente.
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Nos últimos anos, a investigação neste setor tem avançado significativamente no desenvolvimento de tecnologias que permitem a produção e aplicação de produtos para a agricultura de origem natural através da utilização de resíduos agrícolas. Os biofertilizantes e bioestimulantes, produzidos através de processos sustentáveis, não só melhoram a saúde e a produtividade das culturas, como também estão em conformidade com as diretrizes europeias para a redução da utilização de fertilizantes químicos. Assim, oferecem benefícios ao agricultor e ao consumidor final, promovendo uma produção mais limpa e mais eficiente ao longo do seu ciclo de vida.

O rápido crescimento da população, associado aos efeitos adversos das alterações climáticas, é um dos maiores desafios globais que a sociedade enfrenta atualmente, de acordo com o Relatório das Nações Unidas sobre as Perspetivas da População Mundial 2022. Esta situação poderá conduzir a uma crise de segurança alimentar sem precedentes. Existe, por isso, uma necessidade urgente de explorar e adotar novas abordagens agrícolas que integrem o desenvolvimento e a industrialização de tecnologias sustentáveis e respeitadoras do ambiente. Estas estratégias têm por objetivo aumentar a produção primária, promovendo simultaneamente uma economia menos dependente dos recursos fósseis através do incentivo à utilização de energias e matérias-primas renováveis.

A bioeconomia propõe princípios baseados na circularidade através da produção de produtos e de energia a partir de recursos biológicos renováveis, como os resíduos agrícolas. Atualmente, estão a ser envidados grandes esforços na procura de produtos biológicos para fertilização e fitossanidade, mas ainda existe uma baixa diversidade de produtos industrializados e a preços competitivos disponíveis no mercado para satisfazer a procura crescente e as orientações europeias.

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O papel dos microrganismos na agricultura sustentável

Uma das abordagens mais promissoras para responder a esta necessidade reside na utilização de microrganismos como aliados na agricultura. Foi demonstrado que os microrganismos promotores do crescimento das plantas (PGPM), que ocorrem naturalmente nas folhas e raízes das plantas e no solo circundante, desempenham um papel fundamental na saúde e no crescimento das plantas. Isto é particularmente importante em culturas essenciais como o trigo, que estão cada vez mais ameaçadas por flutuações climáticas e práticas extensivas, enfrentando condições de stress severas e limitando o seu acesso à água e aos nutrientes.

A aplicação de PGPMs é uma estratégia fundamental para aumentar os rendimentos da produção de trigo de forma sustentável. Esta estratégia está diretamente alinhada com os objetivos da iniciativa 'Farm to Fork' (Do prado ao prato) promovida pela União Europeia no âmbito do Pacto Ecológico Europeu. A estratégia 'Do prado ao prato' tem por objetivo transformar o sistema alimentar europeu num modelo mais sustentável. Esta iniciativa tem por objetivo reduzir o impacto ambiental da agricultura, promover a utilização de práticas sustentáveis e melhorar a saúde pública através de uma alimentação mais saudável e segura. Um dos principais pilares desta estratégia é a redução da utilização de fertilizantes químicos em 20% até 2030.

Esta abordagem tem um impacto direto na redução dos custos para os agricultores e na atenuação do impacto ambiental associado à utilização excessiva de fertilizantes. As vantagens da substituição gradual dos fertilizantes químicos por PGPM incluem, assim, uma maior eficiência na utilização dos fertilizantes. Isto porque os microrganismos desempenham um papel fundamental na disponibilidade de nutrientes essenciais, como o azoto e o fósforo, reduzindo assim a quantidade de fertilizantes aplicados. Esta redução não só conduz a poupanças económicas significativas para os agricultores, como também contribui para reduzir a poluição dos solos e das águas subterrâneas.

Além disso, os microrganismos promotores do crescimento das plantas podem melhorar a saúde do solo. Ao reduzir a utilização de produtos químicos e ao incentivar uma maior biodiversidade microbiana, a estrutura do solo é melhorada a longo prazo, contribuindo para a regeneração do solo e aumentando a sua capacidade de retenção de água e nutrientes. Além disso, uma diminuição da utilização de fertilizantes conduz a uma redução das emissões de gases com efeito de estufa associadas à sua produção e aplicação. O risco de eutrofização dos rios e lagos devido ao escoamento destes produtos é também minimizado.

Microrganismos como promotores do crescimento das plantas

Os PGPM são bactérias, fungos e outros microrganismos que interagem com as plantas de uma forma simbiótica. Foi observado que estes microrganismos são capazes de aumentar a disponibilidade de nutrientes e favorecer a sua absorção pela planta, bem como induzir resistência a stresses (por exemplo, salinidade, seca, etc.). Isto deve-se ao seu potencial para fixar o azoto, mobilizar o fósforo ou facilitar a absorção de ferro. Além disso, são capazes de libertar ou induzir a produção de moléculas na planta que estimulam o crescimento ou estão envolvidas na resposta ao stress.

Os mecanismos de ação que utilizam para promover o crescimento das plantas incluem a fixação do azoto. Certas bactérias, como a Azospirillum e a Rhizobium, podem fixar o azoto atmosférico e convertê-lo em formas utilizáveis pelas plantas. Este processo reduz a necessidade de fertilizantes azotados, uma vez que parte das necessidades de azoto do trigo é satisfeita naturalmente.

Além disso, os mecanismos de ação incluem a solubilização do fósforo e de outros nutrientes. A este respeito, algumas bactérias e fungos, como Pseudomonas e Bacillus, atuam sobre compostos insolúveis no solo, libertando fósforo e outros nutrientes que as plantas não conseguem absorver por si próprias. Isto significa que a utilização de fertilizantes fosfatados pode ser reduzida através da otimização da biodisponibilidade destes compostos no solo.

Além disso, certos microrganismos promovem a produção de fito-hormonas, como as auxinas, que estimulam o desenvolvimento das raízes do trigo. Um sistema radicular mais forte e profundo permite que a planta absorva água e nutrientes de forma mais eficiente, resultando num crescimento mais vigoroso e numa melhor resistência a condições adversas.

Além disso, alguns fungos micorrízicos e bactérias promotoras do crescimento das plantas reforçam a resistência das plantas às doenças do solo e a condições de stress como a seca ou a salinidade.

Desafios para a adoção de microrganismos na agricultura

A utilização de microrganismos em produtos agrícolas não está isenta de barreiras que têm de ser ultrapassadas para facilitar a sua diversificação no mercado. A eficácia dos microrganismos depende de fatores como a temperatura, o pH e a humidade do solo, o que pode limitar a sua utilização em climas extremos ou em solos gravemente degradados. A procura de novos microrganismos resistentes a condições extremas pode proporcionar novos produtos mais específicos para estes ambientes.

Salientam-se também os efeitos rápidos e muito eficazes dos fertilizantes químicos, que, no entanto, são de curta duração e alguns dos quais não são utilizados e acabam por se acumular, lixiviar e poluir os aquíferos. Por outro lado, os microrganismos tendem a atuar de forma gradual e cumulativa, o que exige uma visão a longo prazo para ver os seus efeitos benéficos.

A implementação inicial destas tecnologias pode ser mais dispendiosa e complexa, especialmente em zonas onde estes produtos não estão facilmente disponíveis. No entanto, o seu estabelecimento no solo permite reduzir os custos de fertilização a longo prazo.

A adoção de novas tecnologias implica que os agricultores devem receber formação adequada para compreender e gerir eficazmente os microrganismos.

Projeto Tribiome: novas soluções circulares para modular o microbioma do trigo

No âmbito do projeto Tribiome, coordenado pelo Itene e financiado pelo programa europeu Horizonte Europa, foram isoladas mais de 400 PGPMs de amostras de raízes de plantas adultas de trigo e do solo circundante. Além disso, foi efetuada uma série de estudos avançados para identificar, entre os isolados, as 10 estirpes microbianas com maior potencial de PGP.

Uma parte fundamental do projeto é a integração da economia circular na produção dos microrganismos, uma abordagem que procura maximizar a utilização dos recursos e minimizar o desperdício. Neste contexto, os resíduos agrícolas, particularmente os resíduos gerados durante a colheita do trigo, tornaram-se uma fonte valiosa de matéria-prima para o crescimento de estirpes microbianas selecionadas.

Figura 1...

Figura 1. Processo de hidrólise enzimática de resíduos de palha de trigo para a produção de meios de cultura enriquecidos com açúcares de segunda geração, que servem de substrato nutritivo para o crescimento de PGPM.

Neste processo, os resíduos de trigo, tradicionalmente considerados resíduos, são submetidos a hidrólise enzimática (Figura 1). Este tratamento consiste na aplicação de enzimas específicas que decompõem as fibras vegetais complexas presentes nos resíduos, libertando açúcares de segunda geração que são facilmente assimilados pelos microrganismos para o seu crescimento.

Estes açúcares servem como substrato nutritivo ideal para o cultivo de microrganismos de interesse e, em última análise, têm a capacidade de melhorar o crescimento das plantas. Ao utilizar estes açúcares derivados de resíduos, é criado um ciclo sustentável no qual os subprodutos da colheita são reutilizados de forma eficiente, minimizando assim o impacto ambiental associado à eliminação de resíduos.

Esta abordagem também incentiva a criação de uma cadeia de valor em que os agricultores não só geram produtos alimentares, mas também obtêm benefícios adicionais através da produção de microrganismos que podem ser utilizados na agricultura. Este modelo não só reduz o desperdício agrícola, como também oferece novas oportunidades económicas, transformando o que anteriormente era considerado um problema de gestão de resíduos numa fonte de rendimento adicional e sustentável para os agricultores.

 

O projeto Tribiome não só desenvolve processos que respeitam os princípios da sustentabilidade e da circularidade, como também se concentra na sua escalabilidade, analisando a viabilidade da obtenção de produtos à base de microrganismos na transição do laboratório para a fábrica-piloto.

Produtos validados do laboratório para o terreno

Estão atualmente em curso vários ensaios de validação para garantir a sua eficácia na promoção do crescimento do trigo (Figura 2). Estes ensaios consistem em diferentes fases: ensaios in vitro, ensaios em vasos e ensaios de campo.

Para os ensaios in vitro, foi realizada uma crivagem dos microrganismos utilizando uma plataforma de ensaio em placa de bioatividade de elevado rendimento para determinar as suas capacidades de mobilização de nutrientes e resistência a condições de stress. Os microrganismos foram expostos a sementes de trigo in vitro em ensaios de desenvolvimento de plantas para avaliar a sua capacidade de melhorar os parâmetros de crescimento e desenvolvimento das plantas.

Os ensaios em vaso estão a avaliar o efeito dos produtos à base de microrganismos do Tribiome no desenvolvimento do trigo num ambiente de estufa controlado, mais próximo das condições reais.

Finalmente, os produtos Tribiome mais promissores serão validados em condições reais de cultura. Estes estudos confirmarão que os produtos à base de microrganismos não só são eficazes em condições controladas, como também contribuem para melhorar os rendimentos em ambientes produtivos, promovendo uma redução na utilização de fertilizantes convencionais.

O projeto Tribiome está realizar validações em diferentes ambientes para responder a um dos seus objetivos mais ambiciosos: reduzir em 25% a aplicação de fertilizantes convencionais nas culturas de trigo sem comprometer o rendimento da produção.

Figura 2...

Figura 2. Fluxo de trabalho concebido e em desenvolvimento para obter novas soluções à base de microrganismos com o objetivo de modular o microbioma do trigo.

Um futuro sustentável na agricultura

Os avanços na utilização de microrganismos promotores do crescimento das plantas demonstraram um potencial significativo para transformar a agricultura, tornando-a mais sustentável e resistente. Projetos como o Tribiome estão a levar a cabo validações específicas de estirpes microbianas com o objetivo de melhorar a cultura do trigo, desde ensaios laboratoriais in vitro a demonstrações no terreno.

Além disso, a abordagem da economia circular, que utiliza resíduos de trigo para o cultivo de microrganismos, contribui para minimizar os desperdícios associados à produção de trigo e cria novas oportunidades económicas para os agricultores. O avanço das tecnologias no contexto do projeto Tribiome facilitará a melhoria contínua destas ferramentas e a expansão das suas aplicações. Isto não só melhorará a cultura do trigo, como também beneficiará o crescimento de outras culturas no futuro.

A eficácia dos microrganismos depende de factores como a temperatura, o pH e a humidade do solo, o que pode limitar a sua utilização em climas extremos ou em solos muito degradados

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