Problemas e sugestões. AJAP recorda, depois da época de férias, as questões essenciais que preocupam a associação e os jovens agricultores.
Na rentrée de mais um ano, após as férias, a Associação dos Jovens Agricultores de Portugal (AJAP), elenca problemas, e propõe soluções para a Agricultura e Territórios Rurais. Questiona o estado da agricultura algarvia, reitera a reposição das Direções Regionais de Agricultura e Pescas, aborda vários setores, incidindo nas questões do vinho e do leite. Defende maior robustez cooperativa ao nível da venda de fatores de produção e maior capacidade para adquirir as produções dos agricultores e, por fim, apela ao diálogo político necessário à aprovação do OE/2025, apontando razões do setor.
Firmino Cordeiro, diretor-geral da AJAP, participou na conferência ‘Ambiente e Sustentabilidade: desafios atuais e futuros para o Agroalimentar no Algarve’, que decorreu dia 24 de agosto no Convento São José, em Lagoa, no âmbito da Fatacil. Integrou a mesa-redonda intitulada ‘ESG | Adaptação e desafios para o setor agrícola do Algarve num contexto de alterações climáticas’, tendo defendido que o normativo ESG (Governança ambiental, social e corporativa) é inevitável no setor. Aliás, a maior parte dos agricultores europeus, possuem já um conjunto de exigências produtivas e certificações, que se ajustam e adaptam e este normativo. Falar no Algarve implica falar dos problemas da falta de água para a agricultura, da fraca capacidade de armazenar água, e acima de tudo da falta de estratégia dos sucessivos governos para o crescimento e desenvolvimento do setor nesta região. Os agricultores têm inovado, investido e diversificado as áreas de intervenção, mas infelizmente acabam por ser bloqueados pela inércia dos serviços centrais e descentralizados, e por políticos que desconhecem o importante papel da agricultura na região Algarvia. O Algarve, para além do turismo, tem uma agricultura como setor estruturante para a região, e que podia ter maior capacidade em várias culturas (citrinos, hortícolas, pomares, vinha, olival, alfarroba, romã, amêndoa, entre outras), na criação de gado (apostando nas várias raças autóctones e outras) e ter uma floresta mais produtiva e diversificada. Existem organizações de agricultores, mas deviam ter outra dimensão e capacidade, se melhor estruturadas por setores, nomeadamente na concentração da produção, normalização, embalamento e no marketing. A agroindústria existe, mas efetivamente podia ser mais agressiva nos mercados, bastava que o poder político central tivesse a humildade de reconhecer a importância desta atividade na região, e a sensibilidade para entender e apoiar os agricultores na resolução de problemas que individualmente é praticamente impossível solucionar.
Com o apoio de várias entidades, o evento que decorreu na Fatacil, a 24 de agosto, foi promovido pela CCDR-Algarve. A AJAP agradeceu o convite, mas não deixou de referir o seu posicionamento contra a integração das Direções Regionais de Agricultura e Pescas (DRAP) nas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), promovido pelo Governo anterior, sem auscultar as organizações locais e nacionais do setor. Ainda temos a esperança que este Governo e este Ministro da Agricultura consigam inverter a situação, pois, tal como está, o Ministro da Agricultura não tem a mesma ação e controle dos funcionários do Estado associados aos temas agrícolas, que agora têm outra tutela, para além da dificuldade dos agricultores em se relacionarem com esta nova dinâmica ou falta dela, uma vez que para os próprios funcionários seguramente não será a mesma coisa.
Outra área do setor em destaque na semana passada, concretamente na Agrival, e que no entender da AJAP merece atenção, é o setor cooperativo, que tem alguma pujança em áreas como o leite, vinho, azeite e algumas frutas, mas facilmente se constata uma menor apetência para alguns setores, e em algumas regiões a intervenção cooperativa é muito elementar. É um problema transversal que diz respeito à grande maioria dos agricultores, uma vez que muitas das cooperativas se limitam a fazer revenda de algumas das empresas que comercializam fatores de produção, suas fornecedoras, e outras nem sequer têm capacidade de adquirir produções aos seus associados, deixando muitos agricultores entregues a empresas privadas e a grandes grupos, que em abono da verdade, apenas defendem os seus interesses. É importante investir mais em formação associativa e cooperativa junto dos agricultores, o setor cooperativo necessita de se modernizar, e de se rejuvenescer um pouco por todo o país. Se necessário deve ser implementada a fusão, ou a criação de maior ligação entre elas, não só devido à proximidade de algumas, mas também por setores de atividade. Esta poderia ser parte da solução, pois seguramente mais fortes e melhor estruturadas, seria possível aumentar a capacidade de comprar fatores de produção (para melhorar o preço junto dos seus associados, clientes e agricultores), bem como ganhar maior robustez e organização, para adquirir maiores volumes de produção aos agricultores.
Um dos mais importantes setores produtivos em Portugal mereceu igualmente destaque na semana passada, nomeadamente o setor dos vinhos. Infelizmente, por razões negativas, estes factos deixam transparecer algumas falhas (associadas também a outras produções), que todos em conjunto (Governo, Estruturas Organizativas e Empresas) devem resolver. Desde logo a falta de sensibilidade política que se tem verificado ao longo do tempo, por anteriores Governos, em relação à agricultura como setor de atividade estratégico, deixando-o quase à sua sorte. Isto fez com que nos dias de hoje este se apresente com inúmeras fragilidades, pouco estruturado, com agricultores muito envelhecidos, desacreditados e descapitalizados. Recordamos que a idade média dos nossos agricultores é de 64 anos (país com a população agrícola mais envelhecida da Europa), e a taxa de rejuvenescimento do setor é a segunda mais baixa dos países que integram a União Europeia (UE). Vezes sem conta o Ministro da Agricultura tem referido o baixo rendimento da atividade agrícola, ficando apenas a 40% da média do rendimento dos restantes cidadãos da UE.
O setor dos vinhos em Portugal atravessa uma situação extremamente delicada, nomeadamente para os pequenos e médios produtores, devido à ameaça dos agentes da transformação e do comércio que não pretenderem comprar uma boa parte das uvas da presente campanha.
No momento em que as vindimas arrancam em todo o país, as estimativas apontam para um stock de cerca de 200 milhões de litros de vinho por escoar de vindimas passadas. E há que ter em conta que a vindima de 2023 foi das mais generosas dos últimos anos. Produziram-se cerca de 750 milhões de litros, a quantidade mais alta desde 2006, e “uma das mais elevadas das últimas duas décadas”, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística.
A situação assume maior relevância na região do Douro. Segundo Rui Paredes, da Federação Renovação do Douro, os produtores estão na fase das colheitas e não sabem a quem vão entregar as suas uvas. Pelo segundo ano consecutivo, alguns operadores alegam quebras nas vendas e stocks cheios e, por isso, não estão a comprar uvas ou estão a fazer propostas de compra a baixos preços. Segundo Rui Paredes, se não forem tomadas medidas que invertam a situação, 2025 pode vir a ser um ano em que muitos viticultores vão abandonar a atividade, pois não é comportável vender com preços que não suportam os custos de produção da maior região de montanha do mundo. O que se tem vivido nos últimos anos foi um adiar dos problemas do setor, temos assistido à entrada de vinhos importados na região, nomeadamente provenientes de Espanha.
O jovem agricultor, viticultor e técnico da AJAP na região do Douro, Rui Monteiro, concorda com Rui Paredes, e diz que “os viticultores do Douro enfrentam uma grave crise, devido ao corte no benefício, à diminuição da produtividade por hectare, e às enormes dificuldades em vender a produção. Corremos o risco de, nesta campanha, ficarem muitas vinhas por vindimar”.
Ambos são unânimes e dizem que medidas como a destilação do vinho excedente da região e o aproveitamento dessa aguardente para introdução no vinho destinado à denominação Porto, seria interessante. Apontam ainda a necessidade de maior fiscalização na circulação das uvas um pouco por todo o país (entre as nossas regiões), e de vinhos de Espanha (diretos para o Douro, ou via indireta através de uma nossa região qualquer, e depois para a região Douro). Uma autêntica porta giratória em que entram por um lado e saem pelo outro. São ainda de opinião de que a promoção dos vinhos de Portugal lá fora tem de aumentar quer em qualidade, quer em quantidade, e tem de ser um desígnio, dando maior ênfase aos produtos vínicos de qualidade superior do Douro. A região, infelizmente, tem ficado para trás, e nesse sentido deve reclamar o reposicionamento do vinho do Porto como um dos grandes embaixadores de Portugal.
Relativamente ao setor do leite, a AJAP vem manifestar o seu apoio às recentes preocupações anunciadas pela APROLEP, que apelou na semana passada aos responsáveis políticos, do setor cooperativo, da distribuição e indústria de laticínios que garantam uma maior estabilidade para os produtores de leite, através de contratos de longa duração. O apelo foi feito após a associação ter tido conhecimento de que “pelo menos 14 produtores de leite, entre os que fornecem atualmente a marca Pingo Doce, através da empresa Terra Alegre, foram surpreendidos com a informação que serão dispensados e terão de procurar novo comprador de leite a partir de janeiro de 2025″.
O setor do leite é estratégico para o país, temos qualidade, tecnologia, excelente genética, e inovação, com muitas das operações de gestão e controlo a fazerem-se digitalmente. Estamos assim ao nível do melhor que se faz na Europa e no Mundo.
Contudo, este setor não dá descanso aos seus produtores, dependentes de quem lhes compra o seu produto. Apesar de a nível cooperativo estarmos extremamente bem organizados, o problema com o preço do leite pago ao produtor, e os preços dos alimentos compostos e de outros fatores de produção, são extremamente delicados. Sabemos que o mercado da recolha de leite tem menos procura, e nesta fase existe excedente de leite no mercado. Mas uma coisa é certa, enquanto a rentabilidade do produtor não estabilizar e não se valorizar a produção, este setor continuará a ser cada vez menos atrativo para jovens agricultores, e atividade que não rejuvenesce “morre”.
O preço do leite pago ao produtor ronda, atualmente, os 45 cêntimos/litro. O preço tem vindo a descer neste último ano, por excesso de leite no mercado (o ano passado alcançou os 59 cêntimos/litro, e tem descido gradualmente até ao momento). Em relação aos custos de produção, estão estabilizados. Contudo, o que pesa mais são as matérias-primas utilizadas na alimentação dos animais, realçando-se os valores dos alimentos compostos, vulgarmente designados como rações, mas também da energia (sobretudo combustíveis e eletricidade). Para André Silva, jovem produtor de leite e membro da direção da AJAP, é importante manter pelo menos o preço atual. Numa situação de descida abaixo do limiar atual, poderão estar em causa muitas explorações. Nessa perspetiva o jovem agricultor concorda com o apelo da APROLEP, no sentido de conferir maior estabilidade aos produtores de leite, através de contratos de longa duração na recolha. É ainda de opinião que as organizações do setor e a indústria deviam investir mais na produção de derivados do leite, considerando que Portugal é importador destes produtos. Isto poderia exercer um ‘efeito tampão’ em relação aos preços praticados aos produtores.
Jaime Carneiro, técnico da AJAP, e profundo conhecedor da realidade, assegura que é essencial a renovação geracional no setor do leite (um dos que tem mais dificuldades em rejuvenescer, porque uma exploração agrícola que venha a fechar, já não abre mais). Defende que sem incentivos é completamente impossível, e recorda que essas ajudas estão bloqueadas há um ano. Além disso, o que está desenhado nas medidas ao investimento do PEPAC também não é nada animador, nomeadamente para o setor do leite. “O limite máximo do investimento apoiado será 500 mil euros, com taxas degressivas de apoio. Sabemos que 500 mil euros para montar uma exploração de leite é um valor muito baixo, porque os custos de investimento são muito elevados. Por outro lado, não podemos esquecer que o plafonamento das taxas de apoio onde o máximo apoio para um Jovem Agricultor está limitado. Assim sendo, numa situação de investimento de 500 mil euros apenas garante um apoio máximo de 208 mil euros a fundo perdido. Falamos de uma taxa de 40%, que é muito baixa”, afirma Jaime Carneiro.
Relativamente ao futuro, se existe setor que exige estabilidade nas políticas, na estratégia, na estruturação e restruturação e programação de obras de Estado, nas políticas da água, eletrificação e energias alternativas, tão marcantes do sucesso de muitas explorações, é o setor agrícola. A determinados níveis de competitividade e dimensão, a disponibilidade de água e energia a preços competitivos, para o setor agrícola em toda a sua dimensão (produção de alimentos vegetais, de origem animal, florestal) e produtos transformados, é crucial. Estes custos, normalmente mais elevados em Portugal, tornam-nos menos competitivos.
Obviamente que fertilizantes, sementes, fitofármacos, alimentos compostos, produtos veterinários, máquinas e equipamentos agrícolas, impostos como IVA, IRS, IRC e até mesmo a segurança social. O valor extremamente elevado de todos estes fatores, praticado em Portugal, quando comparado com outros países, torna muitas das nossas pequenas e médias explorações inviáveis, razão pela qual muitas vão encerrando. Infelizmente os nossos políticos não entendem isto.
Assim, apelamos ao sentido de responsabilidade dos Partidos Políticos e ao diálogo, para que possam viabilizar o Orçamento de Estado (OE/2025) que se aproxima, porque é nosso entendimento que mais importante do que esta ou aquela vitória política pontual, importa olhar o país agrícola e rural na sua transversalidade, e perceber que se não o estruturarmos e prepararmos devidamente para o futuro, não é com medida avulso A, B ou C, com impacto no imediato, que se resolve o problema do país como um todo.
Vezes sem conta a AJAP tem elogiado merecidamente a postura do atual Governo em relação à Agricultura, basta atender às intervenções proferidas pelo atual primeiro-ministro, bem claras no entendimento do que representa este setor, na sua estratégia de governação do país. De igual forma o Ministro José Manuel Fernandes, tem feito o seu melhor esforço em percecionar o país agrícola e rural, o que somos, o que podemos ser, nessa perspetiva tem apresentado boas soluções, algumas delas estão já em marcha, outras aguardam decisão em Bruxelas e outras estão a ser analisadas tecnicamente. Por exemplo, em relação à renovação geracional, fez propostas que, se aprovadas em Bruxelas, vão seguramente atrair mais jovens a este setor (importa atender às especificidades referidas neste comunicado em relação ao setor do leite). Assim, tem em curso o acesso a crédito bancário a taxa de juro zero, estabeleceu algumas medidas facilitadoras na aquisição de terras, sendo que aguardamos propostas em relação ao problema da água para o setor um pouco por todo o país. Sectorialmente, reconhece os enormes problemas com os vinhos (lançou já medidas, tem outras em estudo), conhece a realidade do setor do leite, dos cereais (incluindo o milho grão), das frutas (pera com vários problemas) e dos frutos secos. Em quase todos estes setores existe um problema crónico comum que o Senhor Ministro da Agricultura bem conhece: a enorme volatilidade dos preços, tão dependentes das produções de parceiros europeus como de países terceiros.
Se porventura é difícil criar medidas que possam incentivar o escoamento, a aposta nos seguros agrícolas, aumentando as coberturas e a abrangência na carteira de produtos para a agricultura, um desses produtos podia mesmo assegurar um determinado preço, para uma estimativa de produção. Existe ainda um mecanismo em vigor, muito pouco ativo nos últimos anos, que é a PARCA – Plataforma da Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar, estabelecida por Despacho Conjunto nº 15480/2011, por vários Ministérios, e visa fomentar a equidade e o equilíbrio da cadeia alimentar, promovendo o diálogo para permitir o aumento da transparência do mercado e o equilíbrio na distribuição de valor entre os diferentes setores da produção, transformação e da distribuição. Para a AJAP, o atual Governo devia renovar e redefinir esta plataforma, pois pode revelar-se bastante eficaz, no relacionamento entre os vários agentes da cadeia alimentar.
A agricultura verde de que se fala hoje, que a passos largos caminha para o amanhã, cada vez mais recorre à tecnologia. No grande chapéu tecnológico, insere-se a inteligência artificial, a biotecnologia e o blockchain (banco de dados com enormes capacidades de armazenamento). São, pois, muitos os caminhos para adotar práticas mais tecnológicas, produtivas e amigas do ambiente. Este é o caminho que devemos encurtar o mais possível, mas temos de o fazer organizados, interligados, e articulados, sem deixar regiões ao abandono, tornando os territórios rurais do país mais dinâmicos e sustentáveis, com um setor pujante, resiliente no sequeiro, de precisão sempre que possível e equilibrado numa floresta que se quer rentável e diversificada.
Entendemos que é dever das organizações como a AJAP comunicar acerca deste setor, da sua importância primária na produção de alimentos, bem como no seu papel crucial associado à paisagem, aos recursos naturais, ao equilíbrio dos ecossistemas, à qualidade da água e do ar que respiramos.