Em 2023, 22,5% da energia na Europa provinha de fontes renováveis, segundo a Agência Europeia do Ambiente (Eurostat, 2023). A União Europeia tem como meta aumentar esse número para 42,5% até 2030, um objetivo que se pretende alcançar graças aos auxílios estatais, à influência política e a uma maior procura por parte dos consumidores. Da mesma forma, a busca por alternativas energéticas, como os biocombustíveis, é essencial para atingir esse objetivo (Echendu et al., 2023). Tudo isto é apresentado como o roteiro para acelerar a transição energética e reduzir as emissões de gases com efeito de estufa.
O bioetanol produzido nas biorrefinarias europeias, sujeito a auditorias e avaliações dos governos, conseguiu reduzir as emissões de CO2 em 78% em relação à gasolina. A sustentabilidade desta indústria assistiu a um crescimento contínuo durante mais de dez anos e o futuro parece promissor, graças às técnicas de captura de CO2 da fermentação e remodelação para a sua utilização em biocombustíveis.
Para a produção de bioetanol, é exigido que a pegada de carbono gerada ao longo de todo o processo seja inferior à regulada pela Europa. Em Espanha, a utilização de um valor padrão para a pegada de carbono do milho nacional obriga as empresas produtoras a comprarem milho em países terceiros com valores calculados mais baixos, reduzindo assim a pegada total do processo de biorrefinação.
Na Europa, a diminuição da superfície agrícola e a mudança de utilização devido à procura por alimentos, ao aumento da produtividade e dos custos da mão de obra sugerem a disponibilidade de aproximadamente 4 milhões de hectares de terras abandonadas, úteis para o cultivo sem afetar as áreas florestais. O agricultor europeu enfrenta dificuldades em competir com produtos não transformados de países terceiros. A industrialização do campo através da biorrefinação pode contribuir para o desenvolvimento rural, criando empregos industriais, aumentando a procura agrícola e promovendo uma pecuária mais competitiva graças à produção local de proteínas concentradas, uma alternativa à soja importada.
Importa ter igualmente em conta a repercussão socioeconómica da produção dessas matérias-primas na área de cultivo. Em áreas rurais, onde a agricultura é muitas vezes a principal fonte de receitas, a dependência numa única cultura pode ser arriscada. O bioetanol de milho introduz uma oportunidade para diversificar a economia local, ao permitir que os agricultores atribuam valor acrescentado à sua produção de milho e gerem receitas adicionais através da produção de proteínas e biocombustíveis. Esta diversificação económica reduz a vulnerabilidade às flutuações dos preços das culturas e proporciona estabilidade financeira às comunidades rurais.
A sua produção promove práticas agrícolas sustentáveis, pois os agricultores têm um incentivo adicional para adotarem técnicas de agricultura de precisão capazes de reduzir as quantidades de fertilizantes e produtos fitossanitários necessários por tonelada de produção, o que se reflete positivamente na sua economia. Isto também ajuda no cumprimento de outros objetivos da Agenda 2030, como a redução da utilização de fertilizantes em, pelo menos, 20% ou da utilização de produtos fitossanitários em 50%.
Isto não só é benéfico a nível global, mas também melhora a qualidade do ar local e a saúde das comunidades limítrofes. Além disso, essas ferramentas de agricultura de precisão permitem a monitorização detalhada de todo o ciclo de produção do milho, bem como de todas as atividades agrícolas realizadas durante este processo, resultando em melhor rastreabilidade do produto. A criação de uma indústria de biorrefinação envolve a construção e manutenção de infraestruturas locais, como unidades de processamento e redes de distribuição, a criação de empregos diretos e a promoção do desenvolvimento de competências técnicas na comunidade.
Além disso, uma infraestrutura forte tem o potencial de atrair investimentos adicionais e apoiar o crescimento de outras empresas locais. Por outro lado, a produção deste tipo de biocombustíveis e proteínas com matérias-primas locais reduz a dependência energética (fontes fósseis) e alimentar (cultivo de soja), ajudando a garantir um fornecimento constante de energia e alimentos e, simultaneamente, evitando a desflorestação em países terceiros para o cultivo de soja e outros produtos importados.
O debate sobre se se deve dar prioridade aos alimentos ou aos combustíveis, tomando como exemplo o caso dos Estados Unidos, põe em evidência que é possível e benéfico que ambos coexistam. O início da produção de bioetanol nos Estados Unidos gerou aumentos significativos na produtividade e nas reservas de alimentos, além de contribuir para a descarbonização da economia dos EUA a um ritmo mais rápido do que na Europa. A produção de bioetanol a partir de milho nos Estados Unidos teve impactos positivos, ao diversificar a economia local, incentivar práticas agrícolas sustentáveis e melhorar a qualidade do ar, bem como a saúde das comunidades. O aumento da rastreabilidade e a presença de uma infraestrutura sólida atraíram investimentos adicionais que apoiam o crescimento de outras empresas locais.
Iniciado em 2023 pela Vertex Bioenergy e pelo grupo de investigação Smart Biosystems Laboratory da Universidade de Sevilha grupo de investigação Smart Biosystems Laboratory da Universidade de Sevilha , o projeto iMASO visa fornecer dados precisos sobre as emissões de carbono do cultivo de milho para a produção de bioetanol em Castela e Leão. Utilizando tecnologia avançada, como imagens de satélite, inteligência artificial e sensores em máquinas agrícolas, tem como objetivo reduzir significativamente as emissões de carbono durante o processo produtivo. Além disso, o projeto acompanha os produtores de milho na tomada de decisões para um manuseamento mais eficiente e sustentável da cultura.
Os equipamentos de monitorização instalados na maquinaria, conectados à porta CAN do veículo, permitem a monitorização em tempo real do terreno, registando os rendimentos, a potência utilizada e o consumo de gasóleo por hora. Também permitem monitorizar o trator/ceifeira-debulhadora que o dispositivo possui com a aplicação, por telemóvel e na web, além de estimar diretamente o consumo de combustível para cada tarefa e, portanto, a emissão de gases para a atmosfera (Figura 1).
Atualmente, temos vários satélites em órbita que nos fornecem imagens com várias resoluções temporais e espaciais. Essas imagens podem ser processadas e utilizadas para visualizar combinações de bandas e índices espetrais, permitindo obter informações detalhadas sobre as culturas e a sua evolução. A tecnologia de imagens por satélite não só facilita a observação das características visíveis da vegetação em comparação com o que podemos observar no terreno, mas também permite detetar características e processos vegetais visíveis apenas em regiões do espetro eletromagnético que não são percetíveis pelo olho humano.
Com as imagens de satélite, é possível calcular índices através da combinação de bandas, o que constitui uma base de análise crucial para avaliar a heterogeneidade da cultura e a sua evolução espácio-temporal ao longo da campanha do milho. Além disso, esta tecnologia possibilita a criação de mapas de prescrição variável de adubo e sementeira utilizando o histórico de imagens (Figura 2). Nos nossos estudos, utilizámos os índices NDVI e MSAVI.
Figura 2. Mapa de prescrição de fertilização, utilizado num terreno comercial, elaborado com base num histórico de imagens de satélite.
Para a aplicação destes mapas de prescrição, é necessário que os agricultores disponham de maquinaria de aplicação variável. Em Castela e Leão, é comum que os agricultores e as suas empresas de serviços agrícolas disponham desse tipo de maquinaria, graças ao auxílio do governo regional que facilitou a modernização do parque de máquinas. A maquinaria de aplicação variável otimiza a utilização de fatores de produção, melhora a produtividade e reduz o impacto ambiental, tornando-se uma ferramenta essencial para os agricultores que pretendem aumentar a sustentabilidade e a eficiência das suas operações agrícolas (Figura 3).
Figura 3. Semeador-fertilizador variável utilizado por um dos agricultores do projeto.
Uma ferramenta importante no projeto iMASO é o monitor de rendimento em ceifeiras-debulhadoras de grãos utilizadas no milho. (Figura 4). Estes dispositivos fornecem informações em tempo real sobre o rendimento da cultura em diferentes áreas do terreno, medidas em kg/m2. Isto permite visualizar a variabilidade do rendimento dentro do terreno através de um mapa, facilitando a avaliação das decisões agronómicas tomadas em relação à sementeira, fertilização e rega (Figura 5).
Figura 4. Sensores instalados numa ceifeira-debulhadora de milho e ecrã na cabina que permite a monitorização do rendimento e a transmissão de informações para a nuvem.
A capacidade dos dispositivos de monitorização do rendimento de atribuir valores de fatores de produção específicos a cada valor de rendimento é especialmente significativa. Esta funcionalidade permite determinar as emissões de carbono com uma precisão de píxeis através de uma calculadora de emissões certificada da Vertex Bioenergy. Desta forma, é possível obter uma avaliação detalhada do impacto ambiental das práticas agrícolas implementadas.
Figura 5. Mapa de rendimento obtido do dispositivo de monitorização do rendimento da ceifeira-debulhadora.
Depois de analisar os dados obtidos durante o primeiro ano do estudo, conclui-se que as emissões da área de Castela e Leão são muito inferiores ao valor padrão atribuído pela Europa. Para os casos estudados, a média de emissões de carbono calculada foi de 235,39 kg CO2(e) por tonelada de peso seco de milho, com uma média de 15,37 toneladas de milho seco por hectare, enquanto o valor estabelecido pela Diretiva RED é de 400 kg CO2(e) por tonelada de peso seco de milho.
Observa-se também que o que mais afeta as emissões de carbono é a fertilização azotada, que corresponde a 78,59% das emissões (Figura 6). Além dos resultados quantitativos, é importante mencionar os resultados qualitativos deste estudo nos agricultores com quem trabalhámos. Inicialmente, alguns agricultores não percebiam o interesse do estudo, nem a importância de quantificar as emissões de CO2 nos seus terrenos. No entanto, ao longo do processo, a sua perspetiva mudou significativamente. Não apenas descobriram uma forma de acrescentar valor ao seu produto, mas também demonstraram um interesse crescente na utilização das análises dos seus terrenos para identificar áreas de melhoria. Esta iniciativa permitir-lhes-á aumentarem a sua produção e melhorarem a eficiência na utilização dos fatores de produção, como sementes e fertilizantes.
Figura 6. Emissões de CO2 calculadas para cada operação.
Em conclusão, a maioria dos agricultores com os quais trabalhámos possui a maquinaria necessária para realizar a agricultura de precisão (tratores com GPS, maquinaria de aplicação variável, ceifeiras-debulhadoras com dispositivo de monitorização do rendimento), mas não a utiliza devido à falta de conhecimentos e aconselhamento especializados. O nosso trabalho consiste, em parte, em acompanhá-los e ministrar-lhes formação, de modo a aprenderem a operar essa maquinaria, permitindo-lhes amortizar o seu investimento e praticar uma agricultura mais sustentável.
Além disso, os agricultores manifestaram-nos a sua satisfação com a presença de uma indústria de biocombustíveis na área, que não só cria postos de trabalho, mas também investe em infraestruturas, como a melhoria das estradas, contribuindo para o bem-estar da comunidade agrícola. Esta indústria também assegura a compra de grande parte do milho que produzem, proporcionando-lhes uma estabilidade económica significativa.
Depois de analisar os dados obtidos durante o primeiro ano do estudo, conclui-se que as emissões da área de Castela e Leão são muito inferiores ao valor padrão atribuído pela Europa
O projeto continuará durante mais um ano, com o objetivo de consolidar os resultados obtidos através da recolha de dados de um maior número de terrenos. Nesta nova fase, duplicámos a superfície de estudo e aumentámos a diversidade de agricultores participantes, o que acrescenta uma maior robustez à análise. Além de trabalhar com agricultores que praticam a agricultura de precisão, também integrámos aqueles que não o fazem. Isto permitir-nos-á comparar as diferenças e avaliar a eficácia de ambas as metodologias em termos de emissões de carbono, proporcionando uma visão mais completa e precisa de seu impacto na sustentabilidade agrícola.
Agradecimentos
Gostaríamos de manifestar os nossos sinceros agradecimentos à Vertex Bioenergy pelo financiamento do projeto iMASO. Graças à sua contribuição, podemos promover soluções que beneficiarão toda a comunidade agrícola.
Referências
D. P. van Vuuren et al., Alternative pathways to the 1.5°C target reduce the need for negative emission technologies. Nat. Clim. Change 8, 391–397 (2018).
Echendu, A. J., Hampo, C. C., Olatunde, D., Obasih, J. I., Oni, O., Ojo, D., … Oladipo, S. (2023). Biofuels as a Key Renewable Energy Source: a Review of Life Cycle Assessment Studies in South Africa. Biofuels, 15(5), 605–613. https://doi.org/10.1080/17597269.2023.2264037.
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Territorial Facts and Trends in the EU Rural Areas within 2015-2030. JRC REPORTS (Joint Research Centre – European Commission). Perpiña Castillo C., Kavalov B., Ribeiro Barranco R., Diogo V., Jacobs-Crisioni C., Batista e Silva F., Baranzelli C., Lavalle C.