Lançado em 2000, o programa VITIS, que financia generosamente a renovação dos vinhedos, mudou a paisagem vitícola do país e foi a base de tanta inovação enológica que hoje faz as nossas delícias e impulsiona a exportação.
Manuel Pinheiro, CEO da Global Wines
Vinte anos depois, impera repensar não só o financiamento, mas sobretudo a estratégia vitícola do país. Numa intervenção recente, António Mendes, o novo líder da Fenadegas, veio apontar um sinal que a ninguém pode dar conforto: de acordo com dados oficiais, o país importa, anualmente, mais de cem milhões de litros de vinho a granel de Espanha. Também poderia ter citado a Associação Americana de Economistas do Vinho (AAWE) que, sobre o mesmo assunto, aponta para 200 milhões de litros. Isto no mesmo país que tem stocks excedentários, que colocam em causa a viabilidade do setor cooperativo, desvalorizando o vinho e, naturalmente, também as uvas. A Fenadegas propõe a realização de uma intervenção pública através de uma destilação de crise. Recorde-se que já tivemos uma destilação em 2023. Não contesto o pedido, mas esta será sempre uma medida de curto prazo, um paliativo que não resolve a questão de fundo.
A vinha é uma cultura condicionada, o plantio depende de autorizações que o Estado emite, sendo, anualmente, autorizado um “aumento de área”, que é efetivamente inferior ao abandono que se verifica em muitas regiões.
Uma medida urgente, ironicamente impedida pela União Europeia na última reforma do setor, é a possibilidade de os viticultores transacionarem as autorizações. Ao proibir esta flexibilidade, a UE expropriou os produtores de um ativo que tinham e que era valorizado pelo mercado. Hoje, temos produtores que querem plantar novas vinhas e não o podem fazer por falta de autorizações e outros que querem abandonar, mas deitam a perder, não rentabilizam, as autorizações que têm em mãos.
Rentabilizar a vinha implica produtividade. Sem prescindir de rigorosos controlos de rastreabilidade, urge permitir que o viticultor possa ver aceite pela sua DO toda a produção que efetivamente tem, ao invés de desvalorizar o excedente de uvas ótimas ou andar a pedir a familiares e amigos para as incluírem nas suas DCPs. Os estatutos das DOs têm de levar em conta que hoje há vinhas (certamente não todas nem a maioria) que têm elevadas produtividades e que, com isto, se rentabiliza a atividade vitícola.
Os seguros de colheita, em particular os coletivos de grande dimensão, têm de ser generalizados a todas as regiões. É impensável que ainda haja produtores a perder tudo, quando se assiste a uma geada ou granizo, sem compensação ou obrigados a fazer manifestações para pedir apoios. Importaria avaliar mais a fundo os seguros paramétricos, pois esta ferramenta, não só reduz potencialmente o custo, como permite que se comece a falar de segurar o rendimento e não apenas a produção.
Cooperativas e vinificadores de dimensão relevante têm de desenvolver uma estratégia crescente de apoio técnico aos seus viticultores, com especial ênfase no centro e norte do país, dada a pequena dimensão da exploração. O viticultor não é um fornecedor de uvas. É um parceiro estratégico que deve encontrar na cooperativa ou no vinificador um apoio na formação, no conhecimento e na infindável burocracia da política agrícola comum.
Sem menorizar os desafios da sustentabilidade ambiental, diria, porém, que bem mais urgente é o problema da sustentabilidade social. Quantos viticultores podam, tratam e vindimam não no momento certo, mas tão só quando conseguiram arranjar equipas para a tarefa. O problema da escassez de mão de obra é significativo e tende a agravar, mas a mecanização (que é muito limitada em vinhas de montanha) apenas o alivia, não resolve.
No que diz respeito ao fim da fileira – o mercado –, importa que a promoção seja cada vez mais dirigida a posicionar Portugal como um país de valor, no qual as castas autóctones e as denominações de origem são eixos fundamentais de comunicação, ao invés da “marca branca” Wines of Portugal, que persegue todos os anos o objetivo mítico de atingir os mil milhões de euros de exportação. Não seria de passarmos a combinar este objetivo com um segundo relativo a preços médios? A promoção dos vinhos está demasiado parecida com a do turismo, todos os anos orientada para mais volume, como se isso fosse possível, ou sequer desejável.
Não abordo em detalhe a questão custo dos fatores de produção, pois esta vem sendo tratada pelas confederações, mas ao menos fica registado: o custo de gasóleo e eletricidade não pode continuar a penalizar o viticultor português face aos congéneres espanhóis e franceses.
Numa altura em que o processo eleitoral favorece o repensar das políticas públicas, é um bom momento para trazer a agricultura de novo para a agenda. A atividade agrícola não é uma espécie de jardinagem para que a paisagem se apresente verde nos passeios de fim de semana. A agricultura é a produção dos bens alimentares, é a ocupação produtiva do território, e é a proteção do ambiente, uma vez que o agricultor é o primeiro interessado em viver e produzir num contexto de equilíbrio ambiental. Aceite esta visão estratégica, o Ministério da Agricultura não pode ser continuamente esvaziado de relevância governativa como vinha sendo no passado recente.
Se não cuidarmos da nossa viticultura, o risco real é de passarmos do atual excedente para uma futura e irreversível escassez. A menos que nos habituemos a importar granel de Espanha e fizermos de conta que ninguém sabe.