Cláudio Carnevale 1, Lucia Sangiorgi 1, Lívia Pian2, Raúl Estevinha2, Olfa Zarrouk2, Jucilene Siqueira 2, Hugo Pires3, Ricardo Cardoso3, Cátia Pinto2
1 Universidade de Bréscia, Deterministic and Data-driven Modelling for Control Group (D2M)
2 Associação SFCOLAB - Laboratório Colaborativo para a Inovação Digital na Agricultura
3 Impactwave
15/12/2023Resumo
A agricultura 4.0 procura analisar e interpretar um grande volume de dados para gerar modelos de previsão da produção e para a tomada rápida de decisões. Assim, este artigo foca-se na avaliação do impacto de variáveis exógenas, em particular as horas de frio, na produção de maçã e pêra da região Oeste de Portugal, num estudo que resultou da colaboração entre a Associação SFCOLAB, o grupo D2M da Universidade de Bréscia e a ImpactWave (associado do SFCOLAB).
Este estudo apresenta uma relação entre a produtividade e horas de frio, e destaca principalmente a necessidade de se ter mais dados e, que estes sejam de qualidade, para a concretização de modelos baseados em dados. De facto, de modo a criar um modelo robusto de previsão de produção, além dos dados meteorológicos, são necessários dados da gestão da cultura, como a rega, poda e fertilizações, dados do solo e ainda dados relativos à sanidade das plantas (pragas e doenças).
Introdução
Na era da Agricultura 4.0, os dados desempenham um papel fundamental na revolução das práticas agrícolas e na otimização da produtividade. A integração de tecnologias, como sensores (IoT), drones (UAV) e Inteligência artificial (IA), transformou a agricultura num domínio orientado por dados. Esses avanços atendem às diversas necessidades da agricultura moderna, fornecendo informações úteis e em tempo real para uma melhor gestão das explorações agrícolas.
Os dados na Agricultura 4.0 atendem a requisitos cruciais, começando pela agricultura de precisão. Estes possibilitam aos agricultores a monitorização das culturas, das condições do solo e dos padrões meteorológicos, produzindo informações que facilitam a tomada de decisão para a gestão da rega, fertilização e controlo de pragas e doenças. Além disso, as decisões baseadas em dados auxiliam na otimização do uso dos recursos e, consequentemente, na sua conservação e no estabelecimento de práticas sustentáveis.
A recolha e análise de dados potenciam a análise preditiva, permitindo aos agricultores antecipar, por exemplo, tendências de mercado, planear as rotações de culturas ou efetuar a gestão diária das explorações de forma mais eficiente. Esta é uma abordagem proativa que ajuda a mitigar os riscos associados às incertezas como as alterações climáticas, assegurando, por isso, uma melhor resiliência nas operações agrícolas.
Os dados estão a revolucionar o cenário agrícola. Por outro lado, produtores, gestores e decisores políticos necessitam de dados credíveis e de qualidade, ou seja, com qualidade temporal e espacial e em quantidade suficiente, de forma a ser possível uma melhor tomada de decisão.
Assim, este trabalho apresenta-se como um estudo de caso para demonstrar a necessidade de dados de qualidade para o desenvolvimento de modelos de previsão de produção em pomares. Para o efeito, foram utilizadas técnicas de análise de dados e de machine learning para evidenciar padrões que relacionam as horas de frio e outros dados meteorológicos com a produtividade de pomares de maçã e pêra na região Oeste de Portugal.
Árvores de fruto como as macieiras e pereiras, necessitam de satisfazer uma determinada quantidade de horas de frio, pelo que um período de temperaturas relativamente baixas é importante para garantir uma floração regular. Contudo, estes pré-requisitos também dependem, em grande parte, das variedades (Fraga e Santos, 2021).
Na literatura, o indicador de horas de frio é geralmente considerado um bom proxy do possível nível de produção em determinadas áreas. Ao monitorizar e analisar cuidadosamente a acumulação de horas de frio, os produtores podem otimizar as práticas de gestão do pomar, escolher variedades mais adequadas e mitigar os riscos associados à falta de horas de frio.
Em 2022, o SFCOLAB e o grupo D2M da Universidade de Bréscia, juntamente com a ImpactWave, iniciaram uma colaboração com o objetivo de aplicar técnicas de análise de dados e de machine learning no âmbito da agricultura 4.0. A ideia foi aplicar este conhecimento para trabalhar os dados disponíveis, nomeadamente meteorológicos, dados de produção e de fenologia e solo, para estimar a relação entre dados meteorológicos e a quantidade e qualidade da produção de maçãs e pêras. Uma ideia ambiciosa, considerando a complexidade e a grande variedade de fatores que influenciam a produtividade.
Para realizar este estudo piloto, foram utilizados um conjunto de dados de três propriedades da região Oeste de Portugal, nomeadamente Exploração 1 em Vale Francas (Distrito de Lisboa) com produção de pêra; Exploração 2 em Ramalhal (Distrito de Lisboa) com produção de maçã; e Exploração 3 em São Gregório da Fanadia (Distrito de Leiria) com produção de pêra e maçã. Os dados incluem informações relativas a um total de 90 parcelas produtivas destas três propriedades (kg/parcela – kg/ha), variedades, porta-enxertos, sistema de condução, anos de plantação e a localização geográfica das parcelas. A estes dados, foram ainda adicionadas as informações relativas às condições meteorológicas, como temperatura e humidade, de três estações meteorológicas da 'Rede de Estações Meteorológicas Nacionais - IPMA', mais próximas de cada propriedade (aproximadamente 10 a 30 km de distância das propriedades).
Assim, as perguntas que orientaram o estudo foram:
1. Porque parcelas semelhantes e próximas têm produções diferentes?
2. Porque parcelas com diferentes horas de frio têm produções semelhantes?
3. Existem outros indicadores e variáveis mais relevantes a serem usados?
4. Existem dados para esses indicadores já medidos e disponíveis?
A primeira parte do estudo foi realizada para avaliar se a produção pode ser prevista com base em dados meteorológicos contínuos. Para isso, as análises foram realizadas considerando os dados relativos às 1) condições meteorológicas e 2) dados de produção das maçãs e pêras por kg/ha.
A primeira análise está relacionada com a possibilidade de correlacionar o indicador de horas de frio com a produção nas diferentes Explorações, conforme demonstrado na Figura 1.
De uma forma geral, considera-se um limiar de 500 horas de frio para a quebra do período de dormência. Considerando este limiar e os dados das campanhas de 2018 e 2019, o número de dias necessários para atingir esse valor parece estar qualitativamente relacionado com o nível de produção (Figura 1). Nota-se que a Exploração 2, que atinge este limiar mais cedo, apresenta uma produção de maçãs mais alta, quando comparada com a Exploração 3. Além disso, na campanha de 2019-2020, a produção foi menor em todas as Explorações, e o limiar de 500 horas de frio nunca foi atingido. Assim, este estudo preliminar indica existir uma tendência da relação qualitativa entre as horas de frio e a produção.
Figura 1: Análise das horas de frio para maçãs e peras e produção média (kg/ha) nas 3 Explorações agrícolas em análise (Customer 1 = Exploração 1; Customer 2 = Exploração 2; Customer 3 = Exploração 3).
Contudo, quando realizada uma análise mais detalhada através de machine learning, por exemplo, para analisar a relação entre a produção e outras variáveis meteorológicas (incluindo, mas não se limitando às horas de frio) e informações do pomar (idade da planta, porta-enxerto, sistema de condução), os resultados obtidos são menos satisfatórios (Figura 2). Neste caso, os níveis de produção previstos em cada Exploração diferem fortemente dos valores reais, apresentando um valor do coeficiente de correlação (0.47) baixo. Assim, e atendendo ao conjunto de dados reunidos para este estudo em concreto, não é recomendado avançar com uma análise de machine learning para a previsão da produção.
Figura 2: Modelo baseado em machine learning para a produção de maçãs.
Para esta análise são, pois, necessárias mais informações relativas a outros eventos de gestão dos pomares como, tratamentos fitossanitários, fertilização, poda, estágios fenológicos, sanidade das plantas, e outros dados em tempo real, como de sensores proximais, para melhor avaliar a dinâmica da produção.
No seu conjunto, este estudo de caso, através das análises realizadas, pretende demonstrar o potencial dos dados e das informações que se podem retirar para a agricultura e, sobretudo, alertar para a necessidade de mais dados e de melhor qualidade para tirar conclusões mais precisas e, assim, definir modelos com confiança.
Referências
Fraga H, Santos JA. Assessment of Climate Change Impacts on Chilling and Forcing for the Main Fresh Fruit Regions in Portugal. Front Plant Sci. 2021 Jun 23;12:689121.
doi: 10.3389/fpls.2021.689121.