Envita
Informação profissional para a agricultura portuguesa
A utilização de biofortificantes bacterianos é uma alternativa sustentável e segura para maximizar o rendimento e a qualidade nutricional das culturas

Biofortificação bacteriana contra o efeito negativo da salinidade em culturas hortícolas

Miguel Ayuso Calles 1, 2, José David Flores Félix 1, 2, Filipa Amaro3, 4, Ignacio García Estévez5, Alejandro Jiménez Gómez1, 2, Paula Guedes de Pinho3, 4, M. Teresa Escribano Bailón5, Raúl Rivas González1,3,6

1. Departamento de Microbiologia e Genética. Universidade de Salamanca. Edificio Departamental de Biología. Avda. Doctores de la Reina s/n 37007, Salamanca, Espanha.

2. Instituto de Investigação em Agrobiotecnologia (CIALE), Salamanca, Espanha.

3. Laboratório Associado i4HB-Instituto de Saúde e Bioeconomia, Laboratório de Toxicologia, Departamento de Ciências Biológicas, Faculdade de Farmácia, Universidade do Porto, Rua Jorge Viterbo Ferreira, 228, 4050-313, Porto, Portugal.

4. UCIBIO/REQUIMTE, Laboratório de Toxicologia, Departamento de Ciências Biológicas, Faculdade de Farmácia, Universidade do Porto, Rua Jorge Viterbo Ferreira, 228, 4050-313, Porto, Portugal.

5. Grupo de Investigação em Polifenóis (GIP), Departamento de Química Analítica, Nutrición y Bromatología, Facultad de Farmacia, Universidad de Salamanca, 37007, Salamanca, España.

6. Unidade Associada USAL-IRNASA (CSIC), Salamanca, Espanha.

07/11/2023
A degradação por salinidade das terras aráveis tem um grande impacto na agricultura, pois são impostos vários tipos de stress (osmótico, iónico e oxidativo) às culturas. Desta forma, inúmeros aspetos do desenvolvimento e crescimento das plantas são afetados negativamente.
Imagen

Introdução

A salinidade do solo pode ser definida como a acumulação de sais solúveis no terreno, sendo considerada uma das principais causas de degradação edáfica. As alterações climáticas, a utilização excessiva de fertilizantes, as práticas inadequadas de irrigação, a intrusão de água do mar e outros processos naturais (meteorização de rochas ou de material parental salino) são fatores que induzem a salinização do terreno. Estima-se que na Europa mais de 30 milhões de hectares apresentem níveis elevados de sal, sendo o sistema agrícola espanhol um dos mais afetados, devido às suas condições climáticas mediterrânicas (chuvas irregulares e intensas e verões secos) e à presença de regiões semiáridas.

Os efeitos do stress salino nas plantas são complexos, podendo gerar desde o déficit de água nas raízes até à acumulação de iões tóxicos em relação a outros micronutrientes essenciais, o que induz problemas de germinação, de crescimento ou de reprodução. Desta forma, a perda de rendimento da cultura pode ser superior a 40% em terrenos afetados pela salinidade em comparação a solos não salinos. Um exemplo claro ocorre em culturas hortícolas, como no caso da alface (Lactuca sativa L.), considerada sensível à salinidade por ter um limiar de tolerância de 1,3 dS/m (um solo é considerado salino quando apresenta uma condutividade elétrica de 4,0 dS/m).

A atual situação global de aumento de preços e escassez de recursos naturais torna cada vez mais difícil atender à procura crescente da população. Por isso, é necessário dedicar um esforço maior para aumentar a produtividade das culturas, mesmo em ambientes agrícolas stressantes. No caso da salinidade do solo, as práticas adequadas de gestão agrícola e o melhoramento vegetal têm sido as metodologias tradicionais utilizadas para lidar com este problema. O primeiro consiste na implementação de planos de recuperação do solo, drenagem e irrigação com água de alta qualidade, mas tem custos elevados associados e, geralmente, fornece uma solução temporária para o problema. A segunda abordagem implica o desenvolvimento e a exploração de plantas capazes de tolerar altos níveis de sal, utilizando métodos tradicionais de melhoria ou desenvolvimento de culturas transgênicas, mas é uma alternativa cara e lenta. Portanto, a procura de alternativas sustentáveis (económica e ambientalmente) que permitam manter os rendimentos e, assim, satisfazer a procura atual de alimentos deve ser considerado uma prioridade. Nesse sentido, a utilização de estratégias eficazes que maximizem os recursos edáficos e vegetais tem ganho importância nos últimos anos, como a aplicação de biofortificantes microbianos. Ou seja, microrganismos vivos (fungos ou bactérias) capazes de melhorar o desenvolvimento das plantas através de diferentes mecanismos, como o fornecimento de nutrientes ou a produção de compostos benéficos.

Bactérias Promotoras do Crescimento Vegetal

Os biofortificantes microbianos incluem bactérias que promovem o crescimento das plantas ou PGPB (do inglês Plant Growth Promoting Bacteria). As PGPB são um grupo muito diverso de bactérias capazes de interagir positivamente com as culturas, induzindo melhorias ao nível produtivo e nutricional, através de uma atividade multifatorial envolvendo vários mecanismos moleculares, conhecidos como mecanismos promotores do crescimento vegetal (ou mecanismos PGP). Entre os mecanismos de PGP mais estudados, encontram-se os relacionados à captação, solubilização ou mobilização de nutrientes (como a fixação de nitrogénio atmosférico; solubilização de formas insolúveis de fósforo ou potássio, ou a produção de compostos quelantes de ferro, como os sideróforos), a síntese de fitormonas (como auxinas, giberelinas ou citocininas, que induzem processos na planta como: germinação de sementes, desenvolvimento radicular e aéreo, ou desenvolvimento reprodutivo), ou a produção de outros compostos orgânicos, como poliaminas, capazes de induzir o crescimento vegetal. No entanto, as bactérias PGP também têm outros mecanismos menos conhecidos, como a produção de compostos orgânicos voláteis ou VOC (do inglês Volatile Organic Compounds). Os VOC são substâncias químicas de baixo peso molecular que podem ser emitidas por bactérias e, quando detetadas pelas plantas, conseguem desencadear uma resposta positiva nas mesmas, melhorando o seu desenvolvimento e crescimento.

Todos estes mecanismos PGP atuam em diferentes níveis nas plantas, induzindo mudanças que não só favorecem o crescimento vegetal, mas também podem causar maior resistência ou tolerância a diferentes stresses abióticos, como a salinidade do solo. Por exemplo, a produção de biofilmes bacterianos nas raízes e no solo leva a um aumento da porosidade do mesmo e atua como uma barreira entre o sistema radicular e o ambiente salino, mantendo o potencial hídrico da planta mais estável. A solubilização bacteriana de K+ ou P+ permite uma maior absorção desses iões pela planta, o que aumenta a sua concentração contra outros iões tóxicos, como o Na+ (que em condições salinas tem concentrações elevadas, produzindo efeitos negativos nas plantas). Além disso, a exposição das culturas aos VOC bacterianos pode desencadear determinadas respostas moleculares na planta, o que pode neutralizar os efeitos negativos da salinidade no solo. Desta forma, os PGPB atuam nas culturas, não só melhorando a sua produtividade e o valor nutricional em condições ideais de crescimento, mas também ajudando a resistir a condições ambientais adversas que causam uma redução na produção vegetal. Portanto, a obtenção de estirpes bacterianas com capacidade de PGP e inócuas (ou seja, com elevado nível de biossegurança para o homem e o meio ambiente) é uma alternativa de grande interesse nas condições climáticas cada vez mais desfavoráveis/hostis que a agricultura enfrenta.

Biofortificação bacteriana contra a salinidade

Os PGPB são um grupo heterogéneo de bactérias, incluindo os rhizobia, utilizados há décadas pela sua capacidade de estabelecer relações simbióticas com as plantas e fixar o nitrogénio atmosférico em nódulos radicais. O género Rhizobium foi o primeiro grupo descrito dentro destas bactérias, conhecido normalmente pela fixação de nitrogénio atmosférico em simbiose com as leguminosas. Nos últimos anos, tem sido descrita a capacidade deste taxon bacteriano de interagir com culturas não leguminosas, melhorando a sua produção e seu valor nutracêutico, mesmo em condições de stresse abiótico (como a salinidade). Em estudos realizados na Universidade de Salamanca, observou-se que a aplicação de estirpes deste género bacteriano em plantas de alface provoca melhorias em parâmetros vegetativos e produtivos, também em condições de salinidade (Figura 1).

Assim, os testes em estufa mostraram que a inoculação da cultura da alface com essas bactérias gerou melhorias de até 80% em diversos parâmetros produtivos e de qualidade desta cultura: peso da parte aérea, número de folhas e teor de clorofila das folhas. Portanto, a aplicação de estirpes de Rhizobium não só favorece o crescimento da planta e o seu rendimento comercial, mas também ajuda a manter um melhor aspeto da parte comercializável desta cultura. Por outro lado, em condições de salinidade, a inoculação com Rhizobium também apresentou melhorias de até 30% nos parâmetros analisados, em relação às plantas não inoculadas. Desta forma, pode-se estabelecer que a biofortificação com Rhizobium melhora a adaptação da alface às condições de stresse, como a salinidade do solo, além de aumentar a sua produtividade num ambiente ideal para o seu desenvolvimento.

Figura 1. Efeito da biofortificação de plantas de alface através da aplicação de Rhizobium, em condições normais (em cima) e salinidade (em baixo)...
Figura 1. Efeito da biofortificação de plantas de alface através da aplicação de Rhizobium, em condições normais (em cima) e salinidade (em baixo).

Outro aspeto relevante observado nos testes em estufa é a capacidade das bactérias inoculadas de melhorar o conteúdo nutricional das plantas de alface, aumentando a concentração de compostos bioativos (Figura 2). A inoculação de estirpes específicas do género Rhizobium induz aumentos de 57 e 76% no teor total de ácidos fenólicos e flavonóis nas folhas de alface em condições normais. Esses compostos polifenólicos têm uma elevada atividade antioxidante e anti-inflamatória, que está relacionada a efeitos benéficos na saúde humana. Portanto, o aumento de polifenóis devido à inoculação leva a uma melhoria no teor nutricional das plantas, o que poderia ter um impacto positivo no consumidor e na sua saúde, uma vez que a atividade antioxidante destes compostos está associada a um risco mais reduzido de cancro e doenças cardiovasculares.

Por outro lado, o utilização de outra estirpe bacteriana de Rhizobium como inóculo de plantas de alface causa um aumento de mais de 10% na concentração de flavonoides totais e outros ácidos fenólicos sob condições de salinidade, em comparação com plantas não inoculadas. Deve destacar-se que a atividade antioxidante desses compostos limita os efeitos negativos da salinidade nas culturas, ao contrabalançar os danos oxidativos causados por este tipo de stresse. A este respeito, tem sido sugerido que a interação de bactérias com a planta desencadeia uma resposta defensiva na planta, que leva a um aumento deste tipo de compostos, o que ajuda a cultura a lidar com as condições ambientais adversas às quais está sujeita.

Figura 2...

Figura 2. Alterações no teor de flavonoides e ácidos fenólicos totais após a inoculação com duas estirpes de Rhizobium, em condições normais (estirpe 1) e salinidade (estirpe 2).

Efeito da exposição de compostos voláteis bacterianos em plantas

Na interação entre bactérias e plantas, as misturas de compostos voláteis (VOC) libertados pelas bactérias podem ser detetadas pelas plantas, que desencadeiam uma resposta. Esta resposta pode resultar na promoção do crescimento da planta ou a indução de resistência a stresses bióticos (patogénicos) e/ou abióticos (como a salinidade). Além disso, o conjunto de compostos voláteis emitidos por microrganismos varia em função das condições de crescimento ou do próprio microrganismo emissor.

Num estudo realizado por membros da Universidade de Salamanca, em colaboração com a Universidade do Porto, observou-se que uma estirpe do género bacteriano Rhizobium é capaz de emitir compostos voláteis, e que os compostos emitidos variam diferencialmente em função do tempo e das condições de crescimento da bactéria. Entre os compostos produzidos encontram-se álcoois de cadeia ramificada, cetonas ou terpenos. Além disso, quando foram realizados testes em que sementes de alface germinadas foram expostas aos compostos voláteis emitidos pela bactéria, observou-se uma melhoria no crescimento das plântulas durante os seus estados iniciais de desenvolvimento em comparação com plantas não expostas aos VOC (plantas de controlo) (Figura 3). Estes testes foram realizados em condições controladas e em atmosfera fechada, tanto em plantas submetidas ao stresse salino, como em plantas cultivadas em condições não stressantes. Os resultados mostraram aumentos entre 15% e 70% em vários parâmetros de interesse: comprimento da parte aérea e radicular, bem como o número de folhas e raízes secundárias, tanto em plantas submetidas ao stresse, como em plantas desenvolvidas em condições ideais.

Figura 3...

Figura 3. Exposição de plântulas de alface a compostos voláteis produzidos por uma estirpe de Rhizobium, em condições normais (esquerda) e de salinidade (direita).

Conclusões

Estes resultados mostram que a utilização de biofortificantes bacterianos é uma alternativa sustentável e segura para maximizar a produtividade e a qualidade nutricional das culturas, num contexto agrícola marcado por ameaças climáticas e as suas consequentes condições ambientais adversas. Além disso, destacam a variedade de mecanismos de ação das bactérias PGP (algumas delas pouco conhecidas até agora) para auxiliar o desenvolvimento das plantas nessas condições, como a produção de compostos orgânicos voláteis e o seu importante papel na mediação de interações benéficas entre as plantas e os microrganismos.

Agradecimentos

Esta investigação foi financiada pelas bolsas AGL2015-70510-R do MINECO (Ministério da Economia, Indústria e Competitividade) e VA2I/463AC06 da Deputação de Salamanca e pela Junta de Castela e Leão («Escada de excelência» CLU-2018-04) e cofinanciada pelo Programa Operacional do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional para Castela e Leão 2014-2020. Miguel Ayuso Calles agradece o contrato predoutoral da Universidade de Salamanca cofinanciado pelo Banco Santander. José David Flores Félix agradece a bolsa de pós-doutoramento Marie Sklodowska-Curie nº 101003373.

Bibliografia

1. Ayuso-Calles, M., Flores-Félix, J. D., Amaro, F., García-Estévez, I., Jiménez-Gómez, A., de Pinho, P. G., ... & Rivas, R. (2023). Effect of Rhizobium mechanisms in improving tolerance to saline stress in lettuce plants. Chemical and Biological Technologies in Agriculture, 10(1), 1-19.

2. Ayuso-Calles, M., García-Estévez, I., Jiménez-Gómez, A., Flores-Félix, J. D., Escribano-Bailón, M. T., & Rivas, R. (2020). Rhizobium laguerreae improves productivity and phenolic compound content of lettuce (Lactuca sativa L.) under saline stress conditions. Foods, 9(9), 1166.

3. García-Fraile, P., Menéndez, E., & Rivas, R. (2015). Role of bacterial biofertilizers in agriculture and forestry. Aims Bioengineering, 2(3), 183-205.

4. Ilangumaran, G., & Smith, D. L. (2017). Plant growth promoting rhizobacteria in amelioration of salinity stress: a systems biology perspective. Frontiers in Plant Science, 8, 1768.

REVISTAS

FNA24Olival 2024Evolya

NEWSLETTERS

  • Newsletter Agriterra

    24/04/2024

  • Newsletter Agriterra

    17/04/2024

Subscrever gratuitamente a Newsletter semanal - Ver exemplo

Password

Marcar todos

Autorizo o envio de newsletters e informações de interempresas.net

Autorizo o envio de comunicações de terceiros via interempresas.net

Li e aceito as condições do Aviso legal e da Política de Proteção de Dados

Responsable: Interempresas Media, S.L.U. Finalidades: Assinatura da(s) nossa(s) newsletter(s). Gerenciamento de contas de usuários. Envio de e-mails relacionados a ele ou relacionados a interesses semelhantes ou associados.Conservação: durante o relacionamento com você, ou enquanto for necessário para realizar os propósitos especificados. Atribuição: Os dados podem ser transferidos para outras empresas do grupo por motivos de gestão interna. Derechos: Acceso, rectificación, oposición, supresión, portabilidad, limitación del tratatamiento y decisiones automatizadas: entre em contato com nosso DPO. Si considera que el tratamiento no se ajusta a la normativa vigente, puede presentar reclamación ante la AEPD. Mais informação: Política de Proteção de Dados

agriterra.pt

Agriterra - Informação profissional para a agricultura portuguesa

Estatuto Editorial