Envita
Informação profissional para a agricultura portuguesa

Milho: fundamental aumentar o autoaprovisionamento

Alexandra Costa31/05/2023

A Europa deixou de ser autossuficiente para ser o principal importador mundial. Portugal encontra-se na mesma situação de vulnerabilidade. É preciso aumentar a produção e o autoaprovisionamento de milho por forma a atenuar os potenciais riscos associados.

Imagen

Os cereais são parte integrante da nossa alimentação. E, dentro deles, não podemos descurar o milho. A questão é que, nas últimas décadas, houve um decréscimo da sua produção.

Mas vamos aos valores atuais. Como lembra Firmino Cordeiro, diretor geral da AJAP, Portugal dispõe de 3,9 milhões de hectares (43% da superfície territorial), de Superfície Agrícola Útil (SAU) sendo que as terras aráveis (culturas temporárias e pousios) ocupam apenas 1,0 milhões de hectares (26% da SAU) e, dentro destas, os cereais para grão representam 234,6 mil hectares. A isto deve-se acrescentar que os cereais representam, atualmente, apenas 3,5% da produção agrícola nacional, constituindo o milho em grão a componente com maior peso na produção de cereais (56%), seguida do trigo (19%) e do arroz (16%) (GPP, 2020).

A consequência desta situação, para o representante da AJAP, é que o nível de autoaprovisionamento nos cereais é muito baixo, não chega aos 23% (menos de metade dos 50% no início da década de 90), embora com diferentes graus para as várias espécies (cerca de 35% no milho, 5% no trigo, 20% na cevada e 80% no arroz).

Já Domingos Godinho, quadro técnico na CONFAGRI, refere que, e de acordo com os dados do IFAP, foram cultivados em Portugal, em 2022, 58 397 hectares (ha) de milho silagem e 30 436 ha de milho grão, totalizando 88 833 ha. “O milho representa cerca de 36 % da área cultivada com cereais no continente português”, constata, acrescentando que a principal região produtora de milho em Portugal é a região Norte, com 33 052 ha, representando mais de 37% da área cultivada com milho no continente português.

Firmino Cordeiro, por seu lado, citando dados de 2021 da ANPROMIS, aponta que o “milho constitui, no nosso contexto agrícola, a mais importante cultura arvense e é, destacadamente, a que mais explorações agrícolas envolve, estimando-se o seu número em mais de 75 mil unidades produtivas e ocupando cerca de 150 mil hectares de área cultivada, de Norte a Sul do país”.

Imagen

Quanto ao seu potencial, a opinião do representante da AJAP é clara: é, sem dúvida, no momento atual, a mais “nacional” das culturas arvenses. Quer associada à produção de silagem, quer à produção de grão, a cultura do milho afirma-se hoje como um dos casos demonstrativos das potencialidades produtivas da agricultura portuguesa de regadio, gerando, a montante e a jusante, importantes contributos para a vitalidade das economias regionais e nacional. A cultura do milho aparece, em Portugal, intimamente ligada ao regadio, aproveitando as potencialidades edafo-climáticas que o posicionamento geográfico proporciona, mas também porque esta localização torna a rega um contributo imprescindível ao desenvolvimento vegetativo da cultura.

Na avaliação do peso do milho há ainda, aponta Jorge Durão Neves, presidente da ANPROMIS, que relacionar o seu peso no consumo de matérias-primas, nomeadamente commodities agrícolas em Portugal. Com o milho a representar cerca de 1,5 milhões de toneladas ao consumo anual. “É a produção portuguesa que, de acordo com as estatísticas, representa cerca de ¼ do que é o nosso consumo”. O que isto significa? Que “no resto do ano somos totalmente dependentes do exterior”.

Imagen

Evolução inconsistente

Os números da produção de milho não apresentam uma evolução positiva ou negativa, mas sim inconsistente. Quer isto dizer que há subidas e descidas. Como aponta o técnico da CONFAGRI, de acordo com o INE, a produção de milho grão em Portugal registou em 2021 uma produção de 752 492 toneladas, o que representa um aumento face a 2020, mas uma diminuição face a 2019. Os dados revelam ainda que “que apenas cerca de 5% do milho grão no nosso país se destina ao consumo humano, sendo que o restante se destina ao consumo animal”.

Feitas as contas, constata Domingos Godinho, o balanço de aprovisionamento revela uma forte dependência das importações, dado que, na campanha 2020/2021, o grau de autoaprovisionamento foi de apenas 23,7%. Na verdade, as exportações de milho são insignificantes face às importações. Na campanha de 2020/2021 foram exportadas cerca de 260 mil toneladas, quando as importações atingiram as 2 457 mil toneladas”.

Firmino Cordeiro tem uma opinião diferente. Para o representante dos jovens agricultores, e no conjunto dos cereais, o milho tem vindo a acentuar o seu papel de liderança, representando atualmente cerca de 40% do total dos cereais. A justificação, aponta, está na análise dos dados estatísticos disponíveis: o nosso País produziu em 2010/11 cerca de 630 mil toneladas de milho, passando este ano a produzirem-se cerca de 700 mil toneladas de milho. Portugal passou de um grau de autoaprovisionamento de 29% para cerca de 37%.

O responsável afirma mesmo que, analisando a evolução da área de milho pela Direção Regional de Agricultura e Pescas (DRAP), “podemos constatar que o maior aumento de área, relativamente a 2010, se verificou na DRAP Alentejo (mais 5.995 ha), seguindo-se lhe a DRAP de Lisboa e Vale do Tejo (mais 2.208 hectares). Pelo contrário, a área de milho reduziu-se nas DRAP's do Norte (-2.269 ha) e do Centro (-1.584 ha), devendo-se tal facto à difícil situação que atravessa o setor leiteiro nacional, embora muito recentemente se registem algumas melhorias”.

A produção nacional versus o real consumo torna-nos “bastante vulneráveis aquilo que são os humores dos países que nos fornecessem o milho, nomeadamente o Brasil e a Ucrânia, os dois principais fornecedores de milho para Portugal”, afirma o responsável da ANPROMIS.
Significa isto que a produção portuguesa é totalmente absorvida pelo mercado interno? Não necessariamente. Como aponta Jorge Durão Neves, há algumas situações de exportação para Espanha, nomeadamente a nível da alimentação humana.

E porque é que isto acontece? A verdade, aponta o responsável da ANPROMIS, é que Portugal tem visto decrescer as áreas de produção – principalmente desde que acabaram as ajudas – situação que é agravada pelo facto de se ter registado um aumento no consumo. E isto, para Jorge Durão Neves, é a grande novidade. Há 10/15 anos a Europa era autossuficiente em milho. Hoje é o maior importador mundial, “ultrapassando largamente o Japão”, que ocupava o primeiro lugar. “A Europa passa a ser o maior importador porque também passou a ser um grande produtor de carne”, o que significa que “tornámo-nos (a Europa) extremamente vulneráveis à importação de milho porque temos toda uma fileira de produção pecuária que, neste momento, está dependente dessa importação”.

O responsável da ANPROMIS vai mais longe e afirma que, aparentemente, os responsáveis políticos ainda não se aperceberam desta situação e das suas consequências, nomeadamente o facto de pôr em causa a nossa soberania alimentar. Porque pode acontecer que “o milho não chegue” ao mercado europeu, sendo que “não temos mecanismos internos para garantir minimamente” a soberania alimentar. A agravar “cada vez temos mais restrições, cada vez os entraves à produção são maiores”.

Imagen

Desafios a ultrapassar

É certo que, como reconhece o técnico da CONFAGRI, a “cultura do milho é tecnicamente muito exigente”. Hoje os produtores necessitam de recolher todo um conjunto de dados por forma a tomarem as melhores decisões no que concerne a matérias como a rega, fertilização, tratamentos, etc. Só assim, aponta Domingos Godinho, poderão minimizar os custos com a cultura e o seu impacto ambiental. “A utilização dos meios digitais para obter dados que suportem as decisões e o apoio técnico, que deverão preferencialmente ser obtidos na cooperativa da qual o produtor é associado, são decisivos. A comercialização do milho através da cooperativa também é fundamental para melhorar a colocação no mercado da produção”, acrescenta.

Firmino Cordeiro faz uma avaliação mais macro da situação. O responsável da AJAP lembra que, em Portugal, o milho é, destacadamente, a principal cultura arvense, ocupando cerca de 115 mil hectares, ou seja, quase 40% da área nacional dedicada àquelas culturas. Ou seja, “incontestável a sua importância na economia nacional e regional e na coesão e no desenvolvimento do território, nomeadamente num Interior cada vez mais desertificado”.
Mas o responsável também aponta as vulnerabilidades associadas às políticas de total dependência do livre comércio mundial. Nomeadamente as crises cerealíferas de 2007, de 2012 e, presentemente, o novo choque de preços provocado pela abrupta intervenção da China nos mercados.

E quanto a Portugal? “O nosso País possui condições de produção extremamente favoráveis para a produção de milho, encontrando-se os produtores nacionais de milho entre os mais produtivos à escala mundial. Nenhuma outra grande cultura consegue, nas nossas condições de produção, obter performances ao nível das que conseguimos com o milho”. Algo a ter em conta, acrescenta, principalmente numa altura em que surgem novas áreas de regadio. Nomeadamente o perímetro de rega de Alqueva, cujas áreas infraestruturadas rondam atualmente os 67 mil hectares.

“O milho afigura-se como a única cultura capaz de, em extensão, vir a ocupar uma parte significativa desta nova área contribuindo, desta forma, para o aumento do nosso grau de autoabastecimento em milho”, afirma o responsável da AJAP, que acrescenta que “além da existência de alguma disponibilidade hídrica no Alentejo, em face do Alqueva, devíamos rever o Plano Nacional de Regadio, ambicionando novas mega infraestruturas de regadio, uma vez que a água é muito limitativa ao desenvolvimento desta cultura”.

Imagen

Há ainda um outro ponto essencial para Firmino Cordeiro: os custos de produção, nomeadamente eletricidade, combustíveis, fertilizantes e pesticidas, não deviam ser superiores aos restantes parceiros europeus.

Na opinião de Jorge Durão Neves, a agricultura luta contra dois fenómenos no geral: as alterações climáticas – problema ainda maior que a urbanização (e com isso a perda de terreno produtivo) – e a gestão da água. “A agricultura (sustentável) só se faz com recurso ao regadio”, sendo que a gestão da água “tem sido um não problema para a Europa”. Quer isto dizer que “os países do sul da Europa lutam por uma realidade que não conhecem”, ou não conheciam até aqui.

Isto porque, aponta o responsável da ANPROMIS, França atravessa uma seca terrível. Por outro lado, a quem acusa a agricultura de ser o principal gastador de água há que lembrar que há já muito tempo que o setor faz uma gestão racional da mesma – a rega gota a gota é apenas um exemplo – e, por outro lado, a agricultura, mais do que gastar água, dá utilização à mesma, produzindo alimentos.

REVISTAS

Olival 2024FNA24Evolya

NEWSLETTERS

  • Newsletter Agriterra

    24/04/2024

  • Newsletter Agriterra

    17/04/2024

Subscrever gratuitamente a Newsletter semanal - Ver exemplo

Password

Marcar todos

Autorizo o envio de newsletters e informações de interempresas.net

Autorizo o envio de comunicações de terceiros via interempresas.net

Li e aceito as condições do Aviso legal e da Política de Proteção de Dados

Responsable: Interempresas Media, S.L.U. Finalidades: Assinatura da(s) nossa(s) newsletter(s). Gerenciamento de contas de usuários. Envio de e-mails relacionados a ele ou relacionados a interesses semelhantes ou associados.Conservação: durante o relacionamento com você, ou enquanto for necessário para realizar os propósitos especificados. Atribuição: Os dados podem ser transferidos para outras empresas do grupo por motivos de gestão interna. Derechos: Acceso, rectificación, oposición, supresión, portabilidad, limitación del tratatamiento y decisiones automatizadas: entre em contato com nosso DPO. Si considera que el tratamiento no se ajusta a la normativa vigente, puede presentar reclamación ante la AEPD. Mais informação: Política de Proteção de Dados

agriterra.pt

Agriterra - Informação profissional para a agricultura portuguesa

Estatuto Editorial