Chaparro Agrícola e Industrial, S.L.
Informação profissional para a agricultura portuguesa
Abacate

A “monocultura” do abacateiro e a biodiversidade

Amílcar Duarte

MED-Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento
Universidade do Algarve, Faculdade de Ciências e Tecnologia
Campus de Gambelas
8005-139 Faro

08/02/2023
Nos últimos anos tem havido um forte crescimento da área plantada com abacateiros em vários países. Em Portugal, esse aumento tem ocorrido sobretudo no Algarve, em zonas do litoral, próximo de centros urbanos. Isso faz com que a perceção de aumento da área seja superior aos números reais desse aumento. Perante esta situação, alguns movimentos têm vindo a fazer uma forte campanha contra a cultura do abacateiro, falando permanentemente da sua “monocultura”, com efeitos muito nefastos sobre a biodiversidade. Importa, por isso, clarificar o que é uma monocultura e se o abacateiro pode, ou não, constituir uma monocultura em Portugal, assim como se constitui um risco para a biodiversidade.
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Conceito de monocultura

Podemos considerar que há um regime de monocultura em duas situações. Nas culturas anuais, a monocultura consiste em semear (ou plantar) a mesma cultura em anos sucessivos na mesma parcela de terreno, em vez de fazer uma rotação de culturas. Nestes casos, leva à diminuição da produtividade das culturas e ao aumento dos problemas fitossanitários, com o consequente aumento da aplicação de produtos fitofarmacêuticos. Considera-se, portanto, que a monocultura tem um impacto ambiental negativo, comparado com um sistema de rotação de culturas.
Nas culturas permanentes, como é o caso do abacateiro, a mesma cultura permanece naturalmente na mesma parcela durante toda a vida do pomar. Dentro da mesma visão agroecológica, o que não devemos é plantar um pomar com plantas da mesma espécie (ou da mesma família) das plantas que antes ocupavam a parcela.

Não é, por isso, recomendável plantar abacateiros onde antes havia plantas da mesma espécie ou da mesma família. No caso do Algarve e da cultura do abacateiro, isso não está a acontecer. Há casos em que se está a plantar abacateiros onde antes havia citrinos, o que é mais sustentável que repetir citrinos na mesma parcela.

A segunda situação que podemos considerar como monocultura é o cultivo de plantas da mesma espécie ou da mesma família em grandes extensões. Tivemos como exemplo de monocultura o cultivo de cereais no Alentejo em grande parte do séc. XX. Isso deixa toda uma região dependente da venda de um único produto, o que tem consequências negativas na economia e no emprego, conduzindo frequentemente as populações mais pobres ao agravamento da pobreza.
O emprego passa a ter um elevado grau de sazonalidade, em função das necessidades de mão-de-obra da única cultura da região. A economia fica dependente da venda de um único produto. Usando o conceito fora da atividade agrícola, fala-se de monocultura do turismo no Algarve. Por isso, o desenvolvimento da agricultura é importante para que a região não dependa exclusivamente de uma atividade económica.

Monocultura e cultura estreme

Há quem confunda o conceito de monocultura com o de cultura estreme, chamando monocultura a um campo que tem apenas uma cultura. A maioria das áreas agrícolas estão ocupadas com culturas estremes. O cultivo de várias espécies no mesmo espaço (consociações) tem algumas vantagens do ponto de vista agroecológico e usa-se sobretudo na horticultura intensiva em modo de produção biológico.
Na agricultura tradicional havia vários exemplos de consociações muito comuns, como eram a consociação de milho com feijão ou o pomar misto tradicional de sequeiro do Algarve. Atualmente, na agricultura convencional é muito difícil fazer o cultivo em consociações porque os tratamentos fitossanitários feitos a uma das culturas da consociação acabam por atingir a(s) outra(s) cultura(s) que partilha(m) o mesmo espaço.
Isso levaria a que os produtos dessas culturas tivessem maiores teores de resíduos de produtos fitossanitários porque teriam resíduos de tratamentos dirigidos a outras culturas. Além disso, a mecanização é muito mais difícil. Mesmo assim há experiências de consociações que seria interessante desenvolver. Não conhecemos consociações de abacateiros com outras culturas, usadas em larga escala, mas há casos isolados e seria bom explorar essa possibilidade, sobretudo em agricultura biológica.

O abacateiro poderá constituir uma monocultura no Algarve?

Será que faz sentido falar de “monocultura do abacateiro” e afirmar que é a nova monocultura do Algarve? Numa região com 4960 km2 (496 000 ha), em 2019 a cultura do abacateiro ocupava 1833 ha (0,37% da superfície total da região), segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE, 2022).
A área total das culturas permanentes do Algarve era de 56 754 ha e, portanto, a área de abacateiro correspondia a 3,23% do total de culturas permanentes. Entre as culturas permanentes do Algarve com áreas superiores tínhamos os citrinos (13 951 ha), a alfarrobeira (13 584 ha), a oliveira (9409 ha), e a amendoeira (5004 ha).
O abacateiro é assim uma cultura com uma área muito limitada, que nem sequer tem sido considerada de forma autónoma na maioria dos levantamentos estatísticos. Em 2021, a área de abacateiro já era de 2230 ha, ou seja, tinha tido um aumento de cerca de 400 ha, passando a constituir cerca de 4,36% das culturas permanentes.
Desta forma, no Algarve, a cultura do abacateiro não pode ser considerada uma monocultura. Antes pelo contrário, esta cultura vem diversificar ainda mais uma agricultura que já é bastante diversificada. Poderemos questionar-nos sobre se o abacateiro, com a sua expansão, poderá tornar-se uma monocultura. A resposta é claramente que o abacateiro nunca poderá ser uma monocultura em Portugal, nem mesmo no Algarve, uma vez que a planta é suscetível à geada, só podendo ser cultivado em zonas limitadas, onde a probabilidade de geada é relativamente baixa.

O abacateiro e a (perda de) biodiversidade

A ideia de que a instalação de pomares de abacateiro contribui para a perda de biodiversidade a nível local, pela eliminação de todas as árvores pré-existentes, poderá ser verdadeira em alguns casos, mas é falsa na maioria das situações.

É frequente ver pomares de abacateiros onde permanecem as árvores pré-existentes, sejam elas sobreiros (Figura 1) ou alfarrobeiras (Figura 2), por exemplo. Além disso, nas entrelinhas dos pomares jovens é frequente ver grande diversidade de vegetação espontânea (Figura 3).

Nos pomares em socalcos, essa vegetação espontânea permanece durante toda a vida do pomar, nos taludes. Nos pomares de terreno plano, os abacateiros adultos acabam por dominar naturalmente a vegetação espontânea, podendo contribuir para uma efetiva perda de biodiversidade vegetal. Por outro lado, a queda de folhas alimenta a manta morta, bastante rica em nutrientes, propícia para o desenvolvimento de macro e microrganismos do solo, contribuindo para a biodiversidade a esse nível.
Figura 1 – Pomar de abacateiros em que os sobreiros foram preservados
Figura 1 – Pomar de abacateiros em que os sobreiros foram preservados
Figura 2 – Pomar de abacateiros em que as alfarrobeiras foram preservadas
Figura 2 – Pomar de abacateiros em que as alfarrobeiras foram preservadas
Figura 3 – Pomar de abacateiros onde a vegetação espontânea não foi controlada durante o inverno e a primavera...
Figura 3 – Pomar de abacateiros onde a vegetação espontânea não foi controlada durante o inverno e a primavera. Posteriormente, esta vegetação foi eliminada com roçadora

O abacateiro e a fauna

A frondosa vegetação dos abacateiros e o facto de, nesta cultura, se usarem poucos pesticidas proporciona também abrigo a mamíferos herbívoros selvagens (Figura 4) e aves (Figura 5, 6 e 7).

Figura 4 – Lebre num pomar de abacateiros
Figura 4 – Lebre num pomar de abacateiros
Figura 5 – Ninho de aves num pomar de abacateiros do concelho de Olhão
Figura 5 – Ninho de aves num pomar de abacateiros do concelho de Olhão
Figura 6 – Bando de perdizes num pomar jovem de abacateiros (Fotografia de João Lopes)
Figura 6 – Bando de perdizes num pomar jovem de abacateiros (Fotografia de João Lopes)
Figura 7 – Bando de perdizes num pomar adulto de abacateiros (Fotografia de João Lopes)

Figura 7 – Bando de perdizes num pomar adulto de abacateiros (Fotografia de João Lopes)

A disponibilidade de alimento e abrigo é também aproveitada por carnívoros. Num estudo realizado na Califórnia foram detetadas mais espécies de carnívoros em pomares de abacateiros do que em áreas selvagens (Nogeire et al., 2013).
Um estudo recentemente publicado revela que a conversão de bosque nativo em pomares de abacateiros tem um efeito positivo sobre a hepterofauna (conjunto dos répteis e anfíbios de uma determinada região) generalista, embora tenha um efeito negativo sobre as espécies especialistas do bosque nativo substituído (Vega‐Agavo et al., 2021).

Estes resultados permitem concluir que os pomares de abacateiros favorecem a persistência e o êxito de numerosas espécies de répteis e anfíbios, num contexto de paisagem diversificada, mas que a manutenção dos bosques nativos é necessária para a conservação de espécies especialistas dos ecossistemas naturais. Este estudo realizou-se no México, num estado em que o abacateiro já ocupava uma área de mais de 147 mil ha em 2016, estando em aumento.

Biodiversidade e produtividade

O abacateiro é uma planta dicogâmica, o que significa que os órgãos florais masculinos e femininos atingem a sua maturidade em momentos distintos, o que faz com que a planta quase sempre necessite de polinização cruzada (Lopes et al., 2019). Podemos considerar dois grupos (A e B) de abacateiros, quanto ao seu comportamento floral.
Nas plantas do grupo A, as flores abrem pela manhã como femininas, tendo o estigma recetivo e os estames dobrados, sem emitir pólen. Ao meio-dia, as flores fecham e só voltam a abrir, no dia seguinte, ao meio-dia, como masculinas.
Nas plantas do grupo B, as flores abrem ao meio-dia, com a parte feminina ativa, enquanto os estames estão inclinados e inativos. Ao entardecer, as flores fecham, abrindo na manhã seguinte com os órgãos masculinos ativos e o estigma não recetivo (Duarte et al., 2018).
Para termos polinização e produção de abacates é necessário ter no mesmo pomar abacateiros dos dois grupos. A dicogamia é influenciada pelas condições ambientais, podendo em alguns casos haver autopolinização, mas esse tipo de polinização não garante uma boa produtividade. A cultivar ‘Hass’, a mais cultivada a nível mundial e também em Portugal, pertence ao grupo A, sendo necessário ter no mesmo pomar plantas polinizadoras do grupo B. Assim, um pomar de abacateiros tem sempre, pelo menos, duas cultivares. Na maior parte dos casos, tem duas ou três cultivares polinizadoras.
O transporte do pólen entre duas árvores e, em casos excecionais, entre flores da mesma árvore, só pode ser realizado por insetos e o mais eficaz como polinizador é a abelha. Assim, a sua presença no pomar durante a floração é essencial para ter uma boa produtividade.
No Algarve, a floração do abacateiro decorre entre fevereiro e maio (Lopes, 2020), sendo necessário ter abelhas no pomar durante todo esse período. Daqui já se pode depreender que, durante esses meses, não é possível fazer tratamentos fitossanitários ou realizar outras práticas culturais que prejudiquem as abelhas.
Como consequência, a diversidade de insetos é grande no pomar, pelo menos, durante esse período. Durante o resto do ano, os abacateiros não produzem alimento para as abelhas, sendo necessário ter outro tipo de vegetação que permita a sobrevivência das colmeias.
Numa “monocultura” isso seria impossível. É verdade que se poderia recorrer à transumância, trazendo as colmeias para o pomar somente durante o período de floração, mas não é esta a prática no Algarve, porque o mosaico de culturas e a presença de vegetação espontânea garante suporte alimentar às abelhas durante todo o ano.
Fica assim evidente que o abacateiro é uma cultura que não teria uma boa produtividade em regime de monocultura e que a biodiversidade é essencial para a própria sustentabilidade económica do pomar.

Referências bibliográficas

Duarte, A., Lopes, R., Furtado, J., Duarte, J., 2018. Alguns aspetos da floração e vingamento do abacateiro. APH - A Rev. da Assoc. Port. Hortic. 29–32.

INE, 2022. Bases de Dados do Instituto Nacional de Estatística [WWW Document]. URL www.ine.pt (accessed 12.21.22).

Lopes, M. do R.C., 2020. Estudo da floração e polinização do abacateiro no Algarve. Dissertação de Mestrado em Hortofruticultura. Universidade do Algarve.

Lopes, R., Duarte, J., Furtado, J., Duarte, A., 2019. A cultura do abacateiro no Algarve e a sua floração peculiar. Voz do Campo - Agrociência 222, V–VI.

Nogeire, T.M., Davis, F.W., Duggan, J.M., Crooks, K.R., Boydston, E.E., 2013. Carnivore Use of Avocado Orchards across an Agricultural-Wildland Gradient. PLoS One 8, 1–6. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0068025

Vega-Agavo, M.I., Suazo-Ortuño, I., Lopez-Toledo, L., Gómez-Tagle, A., Sillero, N., Pineda-López, R., Alvarado-Díaz, J., 2021. Influence of avocado orchard landscapes on amphibians and reptiles in the trans-Mexican volcanic belt. Biotropica btp.13011. https://doi.org/10.1111/btp.13011

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