SFCOLAB
Pegada de carbono na viticultura: o potencial das práticas agrícolas no sequestro de carbono
Livia Pian1, Tânia Serra1, Olfa Zarrouk1,2, Manuel Botelho2, Henrique Ribeiro2, Cátia Pinto1
1Associação SFCOLAB – Laboratório Colaborativo para a Inovação Digital na Agricultura, Rua Cândido dos Reis nº 1 Espaço SFCOLAB, 2560-312 Torres Vedras
2LEAF—Linking Landscape, Environment, Agriculture and Food Research Centre, Associated Laboratory TERRA, Instituto Superior de Agronomia, Universidade de Lisboa, 1349-017 Lisboa,
Email: geral@sfcolab.org
17/02/2023As alterações climáticas são alvo de atenção crescente por parte tanto dos especialistas, como da sociedade. As previsões do IPCC [1] apontam para um aumento global da temperatura média que provoca, atualmente, acentuadas quebras na produção de alimentos e diminuição da rentabilidade. Visando contribuir para os objetivos definidos no Acordo de Paris, Portugal comprometeu-se a atingir a neutralidade carbónica até 2050 [2]. As práticas agrícolas convencionais são consideradas, por muitos, um problema para a pegada de carbono, mas podem também fazer parte da solução.
Portugal desenvolveu o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 [3], que visa identificar os principais atores de emissões de gases com efeito de estufa (GEE) e estimar o potencial de redução. A descarbonização da economia passa pelo investimento em soluções tecnológicas realistas, inovadoras e custo-eficientes capazes de promover a economia circular e o uso eficiente dos recursos e, simultaneamente, conferir vantagens competitivas para as empresas [3].
A atividade agrícola foi responsável por 12.1% das emissões de carbono nacionais em 2021 [4], sendo as principais fontes a fermentação entérica (51% resultante da digestão de animais ruminantes) e a gestão de solos (32%). As práticas agrícolas convencionais são consideradas, por muitos, um problema para a pegada de carbono, mas podem também fazer parte da solução.
Agricultura de carbono
A agricultura de carbono corresponde à captação e sequestro do carbono da atmosfera no solo ou na biomassa, por práticas agrícolas que incluem a plantação de sebes e a utilização de culturas de cobertura. Estas práticas têm como objetivo mitigar o aumento das emissões de GEE e promovem a recuperação da biodiversidade. A sua adoção depende da criação de incentivos e apoios financeiros apelativos para os agricultores, por exemplo, no quadro da Política Agrícola Comum (PAC) [5].
A agricultura de carbono é também encarada como um modelo de negócio devido ao desenvolvimento de mercados públicos e privados para comercialização de créditos de carbono. Para impulsionar o mercado de carbono, e consequentemente o desenvolvimento de tecnologias e soluções sustentáveis para a sua fixação, a Comissão Europeia apresentou, em dezembro de 2022, uma proposta de certificação das remoções de carbono da atmosfera.
O regulamento define um conjunto de critérios que visam melhorar a capacidade da UE para quantificar, monitorizar e verificar as remoções de carbono, assegurando a transparência e a credibilidade do processo [5].
Neste sentido, o Ministério do Ambiente e da Ação Climática de Portugal revelou que vai ser colocada em consulta pública a legislação para a criação do Mercado Voluntário de Carbono [6], que visa promover projetos de redução de emissões de GEE e de sequestro de carbono agrícola/florestal.
Setor vitivinícola
O setor vitivinícola, na vanguarda da regulamentação de práticas sustentáveis, apresentou recentemente o “Referencial Nacional de Certificação de Sustentabilidade para o Setor Vitivinícola” [7].
O referencial identifica 4 domínios de intervenção principais, enumerando um conjunto de indicadores, respetivas métricas e objetivos que devem ser atingidos para obter a certificação. Em particular, no domínio de intervenção ambiental, destaca-se a pegada de carbono e a melhoria da biodiversidade vegetal e do solo, que são indicadores de cumprimento obrigatório para a certificação.
Assim, a avaliação da pegada de carbono permite identificar as etapas de produção que contribuem para as emissões de carbono, sendo esta informação essencial para definir estratégias sustentáveis de gestão das atividades e recursos. Ao nível da vinha, por exemplo, diversas práticas agrícolas sustentáveis contribuem para o sequestro do carbono.
A título de exemplo, de seguida mostram-se alguns estudos de caso reais, no âmbito do Projeto IntenSusVITI, realizados em explorações com produção comercial, e que demonstram o impacto das práticas agrícolas na capacidade de o solo sequestrar carbono.
Grupo Operacional IntenSusVITI
Este é um projeto resultante de uma parceria/consórcio entre o Instituto Superior de Agronomia (ISA- ULisboa) e diversos operadores do setor vitivinícola e financiado pelo PDR2020 (Medida 1.0.1/2016, parceria nº82, iniciativa 164). O objetivo é intensificar a viticultura de forma sustentável mediante a poda mecânica e o aumento do teor de matéria orgânica do solo, com a finalidade de produzir uvas com pegada de carbono nula.
Assim, entre 2017 e 2021, diferentes práticas de campo (poda, mobilização do solo e aplicação de matéria orgânica) foram avaliadas, em 5 regiões vitivinícolas de Portugal. A avaliação da pegada de carbono foi utilizada como parâmetro integrativo para avaliar o impacto destas práticas nas emissões de GEE (CO2eq) e no stock de carbono do solo.
Tomando o ensaio da Quinta do Gradil (Cadaval - região de Lisboa) como exemplo prático, foram avaliados os efeitos da poda mecânica e manual, e a incorporação de matéria orgânica (resíduos sólidos urbanos compostados). Os resultados demonstraram que o sequestro de carbono do solo foi potenciado pela incorporação de matéria orgânica, obtendo-se valores mais elevados com o aumento da matéria orgânica, até um máximo de 66 toneladas de CO2eq em 4 anos (Figura 1A).
A utilização de poda manual e mecânica não impactou os valores de sequestro de carbono por unidade de área (Figura 1B). Contudo, a utilização de poda manual, uma vez que originou uma produtividade mais baixa, permitiu uma pegada de carbono por kg de uva inferior. Valores negativos de pegada de carbono indicam que mais carbono foi sequestrado do que emitido, podendo este “excedente/crédito” ser comercializado através dos mercados de carbono.
Contudo, é importante salientar que as vinhas submetidas a poda mecânica deram origem a produções superiores, realçando a necessidade de encontrar um equilíbrio entre o compromisso ambiental e a sustentabilidade económica da exploração.
Ribafreixo Wines
Já no ensaio conduzido na Ribafreixo Wines (Vidigueira - Região do Alentejo), o objetivo foi avaliar os efeitos da poda mecânica e manual e da mobilização ou não das entrelinhas (Figura 2).
Nas vinhas sem mobilização, o sequestro no solo aumentou (Figura 2A) comparativamente às vinhas com mobilização, resultando em pegadas de carbono negativas (Figura 2B). As vinhas com entrelinha mobilizada apresentaram pegadas positivas, indicando que mais carbono foi emitido que sequestrado. Neste ensaio foi igualmente observado que a poda manual origina uma pegada inferior e valores de produção mais baixos.
Os estudos de caso apresentados ilustram o impacto que a gestão das práticas agrícolas pode ter no ambiente e na produtividade. Por outro lado, sugere que a adoção de práticas agrícolas sustentáveis pode permitir um aumento do sequestro de carbono no sistema produtivo, gerando valor acrescentado para a cadeia de produção vitivinícola.