Tomás Mgalhães1,2, 3, 4/Beatriz Duarte2/Rita Poeira2/Luís Neto1,2/Natália Marques1,3/Amílcar Duarte1,2*
1Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade do Algarve, Campus de Gambelas, 8005-139 Faro.
2MED-Instituto Mediterrâneo para a Agricultura, Ambiente e Desenvolvimento, Universidade do Algarve, Campus de Gambelas, 8005-139 Faro.
3CEOT-Centro de Eletrónica, Optoeletrónica e Telecomunicações, Universidade do Algarve, Campus de Gambelas, 8005-139 Faro.
4 CIMO-Centro de Investigação de Montanha, Campus Santa Apolónia, 5300-253 Bragança.
08/03/2022Os citrinos são uma cultura importante na Península Ibérica, fazendo parte da dieta mediterrânica e contribuindo para a economia dos dois países. Atualmente, a citricultura desta região está ameaçada por uma doença devastadora, o huanglongbing, uma vez que a psila-africana-dos-citrinos, vetor da bactéria que causa esta doença, já se encontra em quase toda a região costeira de Portugal e também no norte de Espanha. A bactéria não foi até agora detetada, mas para travar o vetor, tem sido usada a luta biológica com um parasitóide da psila. A gravidade desta ameaça à nossa citricultura obriga a que se adotem novas abordagens de proteção fitossanitária, incluindo estratégias coletivas, abrangendo várias explorações agrícolas.
Os citrinos são uma das culturas frutícolas mais importantes a nível mundial, com uma produção de mais de 150 milhões de toneladas (FAO, 2019). No sul da Europa, a importância da citricultura vai além da importância económica, uma vez que os citrinos fazem parte da paisagem e da dieta mediterrânica (Duarte et al., 2016). Porém, atualmente esta cultura está sob a pressão de um problema fitossanitário de grande relevo, a doença bacteriana huanglongbing (HLB), cujo nome é de origem chinesa e que se traduz como doença do ramo amarelo, um dos sintomas da doença. O agente causal desta doença é a bactéria Candidatus Liberibacter spp., que se desenvolve no floema da planta, obstruindo-o e acabando por dificultar o transporte de nutrientes, o que conduz ao definhamento da mesma (Bové, 2006). Os sintomas mais característicos são o amarelecimento assimétrico nas folhas e a inversão da cor nos frutos (Bové, 2006). Por isso, a doença também é conhecida por citrus greening. O HLB diminui muito a produtividade das árvores, tornando o pomar infetado economicamente inviável e um foco de novas infeções. Uma das grandes causas de preocupação com esta doença é o facto de, até agora, não ser conhecida uma cura economicamente viável, sendo a eliminação de plantas infetadas e o controlo do vetor as únicas formas eficazes de controlo do HLB.
Exemplos do efeito devastador desta doença são o caso da Flórida, onde, desde a identificação da doença, em 2005, até 2019, ter havido uma redução de 74% da produção citrícola (Singerman & Rogers, 2020), e o caso do estado de São Paulo (Brasil), onde, desde a identificação do HLB (2004) até 2009 terem sido arrancados cerca de 4 milhões de árvores para travar a disseminação da doença (Belasque et al., 2010).
Embora esta doença bacteriana ainda não tenha sido detetada na Europa, um dos seus vetores, a psila-africana-dos-citrinos (Trioza erytreae Del Guercio, 1918) está presente na Península Ibérica desde 2014 (Perez-Otero et al., 2015). Com a presença do vetor transmissor da doença, a entrada de uma única planta infetada com HLB pode ser suficiente para pôr em risco a produção de citrinos no Mediterrâneo, afetando especialmente os pequenos produtores, que terão mais dificuldade em controlar a doença (Cocuzza et al., 2017).
A psila-africana-dos-citrinos, Trioza erytreae (Del Guercio, 1918) (Hemiptera: Triozidae), é um inseto picador-sugador que tem como plantas hospedeiras todos os citrinos, assim como algumas plantas ornamentais da família das Rutáceas. O inseto é afetado pelas condições climáticas (Paiva et al., 2020) e pela aplicação de produtos fitofarmacêuticos. No entanto, a sua população pode ter um crescimento exponencial na primavera e início de verão, como foi reportado em estudos em várias regiões do sul de África (Catling, 1972).
O ciclo de vida do inseto e o número de gerações estão intrinsecamente ligados às rebentações dos citrinos, pois a oviposição e o desenvolvimento dos 5 instares ninfais dependem obrigatoriamente da presença de rebentos (Carvalho & Aguiar, 1997; Cocuzza et al., 2017). As ninfas instalam-se na página inferior das folhas novas, provocando empolamentos caraterísticos (Figura 1).
Figura 2. Fase adulta da psila-africana-dos-citrinos. Foto: J. R. Estévez Gil, ICIA, Espanha.
A psila-africana-dos-citrinos foi detetada na ilha da Madeira em 1994 e mais tarde, nas Canárias, em 2002. Em 2014, apareceu pela primeira vez na Península Ibérica, na zona noroeste de Espanha. O psilídeo foi encontrado nos meses seguintes na província de Pontevedra (Galiza), em Espanha, e no distrito do Porto, em Portugal (Pérez-Otero et al. 2015). A via que levou a espécie T. erytreae a chegar ao noroeste da Península Ibérica permanece desconhecida.
Figura 3. Mapa atualizado a 25/11/2021 das freguesias infestadas por Trioza erytreae (psila-africana-dos-citrinos). Fonte:https://www.dgav.pt/plantas/conteudo/sanidade-vegetal/inspecao fitossanitaria/informacao-fitossanitaria/trioza-erytreae/
A dispersão da psila-africana-dos-citrinos tem ocorrido ao longo da costa, provavelmente por o inseto não suportar condições de elevadas temperaturas e baixa humidade atmosférica (Paiva et al., 2020).
Associado ao plano nacional de contingência da praga, foi colocado em prática desde outubro de 2019, o plano nacional de luta biológica contra T. erytreae, com o himenóptero ectoparasitóide específico Tamarixia dryi. Este parasitóide tem sido utilizado em programas semelhantes para o controlo de T. erytreae noutros locais como a ilha de Reunião (1974), as Ilhas Maurícias (1982) e as Canárias (2017). A escolha deste parasitóide deve-se à sua alta especificidade e eficácia no controlo desta praga.
Até ao momento, os parasitóides utilizados em Portugal continental têm sido cedidos pelas entidades espanholas e as largadas têm sido levadas a cabo pelas DRAP de cada região afetada. As primeiras observações em campo mostram que o parasitóide T. dryi tem tido um papel importante na redução das populações de T. erytreae e que, embora a praga se tenha vindo a dispersar, o parasitóide tem acompanhado esta dispersão. No entanto, é necessário continuar a monitorizar a dispersão da praga e do seu parasitóide, mantendo aberta a possibilidade de usar outras estratégias de controlo. Desta forma, será possível diminuir o risco da chegada do HLB ao Algarve e dispor de armas para a sua mitigação.
O impacto da doença HLB na citricultura do Brasil e da Flórida foi distinto, tendo sido menor no Brasil, o que se deve ao facto de os produtores brasileiros terem respondido com maior prontidão e organização à ameaça da doença e do vetor presente naquele país, a psila-asiática-dos-citrinos, Diaphorina citri (Bassanezi et al., 2013). Com a organização dos produtores foi montado um método de proteção que se demonstrou muito eficaz, a implementação de áreas de gestão fitossanitária. Nestas, as medidas de controlo são decididas e aplicadas numa ampla área geográfica que envolve várias explorações agrícolas e áreas vizinhas com plantas hospedeiras ou de refúgio da psila (Paiva et al., 2019). Estas áreas envolvem explorações agrícolas assim como proprietários não produtores que poderão ter plantas hospedeiras nos quintais. Nestas áreas de gestão fitossanitária faz-se a gestão fitossanitária em conjunto, monitorizando as pragas, identificando pontos críticos, focos de infeção, planeia-se em conjunto como proceder quanto a tratamentos fitossanitários, luta cultural, luta biológica, entre outras, disponibilizando-se os recursos conjuntos para combater um problema comum. Uma estratégia semelhante foi usada no Havai contra a mosca-da-fruta (Ceratitis capitata), onde fizeram largadas de machos estéreis, largadas de parasitoides e tratamentos conjuntos, tendo sido conseguido o controlo da praga numa área considerável e uma redução de 91% no número de frutos infestados com Ceratitis capitata, comparativamente a áreas onde não se aplicaram estas medidas (Vargas et al., 2010).
Como a doença HLB é muito agressiva e não existe uma maneira efetiva de a combater, o combate ao vetor é fulcral. Além do programa de controlo biológico, é proibido movimentar qualquer material vegetal cítrico para fora da zona demarcada (Figura 3) e foram autorizados inseticidas para controlo do inseto, para minimizar a sua dispersão.
Agradecimentos:
Tomás Magalhães é bolseiro de doutoramento da FCT (nº 2020.07798.BD); Beatriz Duarte é bolseira do projeto LIFE Vida for Citrus LIFE18 CCA/ES/001109 e Rita Poeira é bolseira do projeto Pre-HLB (GA 817526: PRE-HLB).
Referências bibliográficas