O tomate é uma das principais culturas em Portugal, tendo a produção atingido perto de 1,4 milhões de toneladas em 2020 (1,255 milhões de tomate de indústria e 144 mil de tomate fresco). Mas, o tomate de indústria está ameaçado pelos objetivos europeus de reduzir o uso de produtos fitofarmacêuticos em 50% até 2030. Fomos falar com dois grandes produtores de cada um dos setores para perceber como olham para o futuro.
João Geada, produtor de tomate de indústria, afirma que o preço do tomate já subiu “mas não é suficiente para colmatar o aumento dos custos, que rondam os 8.000€/ha, pelo que cerca de 100 ton da produção são só para a despesa”.
João Geada, da Herdade do Caldas (Ribatejo), e Paulo Maria, da HortoMaria (Oeste), têm no tomate a sua principal cultura – de indústria e fresco, respetivamente –, mas olham o futuro com perspetivas bem diferentes.
Desde 1998 que João Geada produz tomate para a indústria, comercializando-o através da Agromais. Hoje é um dos maiores (e melhores, asseguram-nos da Organização de Produtores) produtores, com 610 hectares, “com uma média de produção de 108 ton/ha”, diz-nos o produtor.
Seguindo a tradição familiar, João Geada produz também melão: “a minha família, que é de Alpiarça, foi pioneira na produção do melão branco, que hoje é o ‘melão de Almeirim’, e cuja produção principal é feita aqui nos campos de Vila Franca”, assegura.
O agricultor conta à Agriterra que “esta campanha está a correr de forma normal, um pouco à ‘moda antiga’, com algum frio e chuva e depois calor”, e adianta: “estou a prever colher a partir de meados de agosto até final de setembro”.
A colheita é mecânica, com máquinas próprias. Aliás, quanto a máquinas, João Geada explica-nos que, “apesar de termos um parque de máquinas já razoável, devido à nossa dimensão, por vezes temos de ‘inventar’, foi o caso desta máquina que anda a pulverizar, para não termos de passar mais vezes”.
As variedades que tem no campo “são as que as indústrias querem, porque o tomate é pago segundo o grau brix e a cor, como a H1015 da Heinz, que é líder, ou para o grupo HIT as variedades especiais 6XD277, H8504 e G16112 que, embora tenham mais licopeno e mais cor, não compensam o menor brix”.
Quanto aos desafios, João Geada salienta os problemas sanitários do tomate para indústria, que nos últimos anos têm sido a mosca branca, o míldio, a tuta e alguns fungos de solo. “Temos conseguido resolver, mas com a constante retirada de substâncias ativas é cada vez mais difícil controlar os problemas”, e acrescenta que “com as substâncias que se preveem que desapareçam até 2030, para cumprir os objetivos da UE, podemos ter de abandonar a cultura”. *
O produtor afirma que “para muitas substâncias ativas não há alternativas, só temos um herbicida e se o retirarem… bem, perdemos a força para trabalhar”. Mas, tem estado já a tentar evitar esse cenário, investindo em tecnologia. “Gasto uma fortuna, cerca de 30 mil euros por ano, em sondas e outros equipamentos, da NEC, por exemplo, para um sistema de alerta que permite fazer tratamentos preventivos e apenas quando e onde é necessário, reduzindo o uso de produtos fitofarmacêuticos, o que me permite produzir com menos resíduos e poupar muito dinheiro”, explica o agricultor.
Além disso, faz rotação de culturas “para que não se criem resistências”. João Geada conta-nos ainda que “no telemóvel tenho acesso a todos os pontos de rega, que é feita por fita. O sistema de fertirrega programa aplicações de microdoses de adubo líquido durante períodos de tempo específicos todos os dias, para que a planta absorva o máximo e não haja lixiviação”.
João Geada refere ainda que o preço do tomate já subiu “mas não é suficiente para colmatar o aumento dos custos, que rondam os 8.000€/ha, pelo que cerca de 100 ton da produção são só para a despesa”.
Como a produção do tomate para consumo em fresco é feita maioritariamente em estufa e em hidroponia, os problemas sanitários são muito menores e conseguem-se resolver, principalmente, com luta biológica.
No Oeste, a HortoMaria tem 20ha de estufas de tomate, principalmente tomate cacho, “porque é o que nos dá mais margem na colheita, sendo colhido e logo colocado nas caixas, mantendo-se maduro durante mais dias, com uma maior duração na pós-colheita”, explica o sócio-gerente da empresa. Paulo Maria refere ainda que “o consumidor também começa a preferir o tomate cacho porque está ‘maduro e rijo’”, tendo aptidão para multiusos culinários.
O produtor afirma que "com a preocupação crescente dos consumidores em fazerem uma alimentação mais saudável tem crescido o consumo do tomate mais vermelho, logo com mais licopeno e mais sabor, e como o tomate cacho tem longa vida, tem sido, cada vez mais, o preferido”.
Paulo Maria produz também tomate chucha e de salada, este em ar livre, mas “cada vez menos, porque tem mais custos: tem de ser escolhido e calibrado no armazém e quando amadurece fica mole, por isso o consumidor também já não opta muito por este tomate”.
Além disso, tem ainda produção de algumas variedades ‘tradicionais’, “como, por exemplo, o tomate ‘maravilha’, com muitos lombos ou ‘pata de elefante’”, que são tomates mais maçudos, com mais polpa, idênticos ao ‘coração de boi’ e ao ‘saloio’.
Como a produção do tomate para consumo em fresco é feita maioritariamente em estufa e em hidroponia, os problemas sanitários são muito menores e conseguem-se resolver, principalmente, com luta biológica. “Um dos maiores problemas que temos é a tuta e para o resolver usamos três técnicas combinadas: luta biológica – largada de auxiliares (predadores); confusão sexual – feromonas; e uso de inseticida biológico à base de bacillus thuringiensis, conta-nos Paulo Maria.
Sobre as perspetivas da cultura para o futuro, o produtor – que também é administrador da Carmo & Silvério, Organização de Produtores, que agrupa produtores do Oeste e da Póvoa do Varzim – afirma que “para ultrapassarmos a ‘concorrência’ de Espanha, que é o maior produtor da Europa, começámos a apostar na produção em contraciclo, entre maio e novembro, tentado colher o máximo possível em setembro e outubro, que é quando o preço está melhor”.
O produtor sublinha que, desta forma, os produtores portugueses ganharam um aliado de peso, uma vez que “Espanha já tem os canais de distribuição e assim, vem comprar o tomate nacional, de reconhecida qualidade, quando não consegue produzir”. Porque, explica, “em Almería, a principal zona produtora, a temperatura dentro das estufas no verão pode até chegar aos 50°, enquanto nós aqui, estamos a poucos km da Praia de Santa Cruz, com temperaturas na ordem dos 23-24°”.
* Um assunto que a Agriterra já noticiou. Veja aqui.