A área de vinha na região do mediterrâneo representa 40% da área mundial (OIV, 2018), fornecendo meios de subsistência para milhões de agricultores e trabalhadores da cadeia vitivinícola. Estudos demonstram que o sul da Europa e a região mediterrânica estão suscetíveis aos futuros aumentos de temperatura e seca, resultando numa eventual perda de aptidão vitivinícola. Neste sentido, é cada vez mais discutido o desenvolvimento de novas abordagens para tornar a viticultura mais sustentável e preparada face às alterações climáticas, mantendo as tradições e as caraterísticas únicas dos ‘terroirs’.
A agricultura inteligente para o clima (Climate-Smart Agriculture, CSA) é uma abordagem que ajuda a orientar as ações necessárias para transformar e reorientar os sistemas agrícolas, de forma a apoiar o desenvolvimento e garantir a segurança alimentar num clima em mudança.
A Climate-Smart Agriculture visa atingir três objetivos principais: aumentar de forma sustentável a produtividade e os rendimentos agrícolas; adaptar e construir resiliência às mudanças climáticas; e reduzir e/ou eliminar as emissões de gases com efeito de estufa, quando possível (FAO, 2021).
A CSA visa atingir três objetivos principais: aumentar de forma sustentável a produtividade e os rendimentos agrícolas; adaptar e construir resiliência às mudanças climáticas; e reduzir e/ou eliminar as emissões de gases com efeito de estufa, quando possível (FAO, 2021). Nesta abordagem, a agricultura é parte da solução para combater os impactos negativos das mudanças climáticas e da degradação ambiental, ao mesmo tempo em que atende às necessidades globais de segurança alimentar e resiliência climática. A abordagem da CSA está intimamente ligada ao conceito de sustentabilidade nas suas dimensões económica, ambiental e social. Um sistema agrícola sustentável deve ser um negócio lucrativo e que crie relações mutuamente benéficas entre os trabalhadores e a comunidade circundante e contribua para a gestão adequada da terra e de outros recursos naturais.
Aplicando este conceito à viticultura, a produção tem de ser projetada para aumentar a qualidade (e produtividade), manter ou restaurar a fertilidade do solo, aumentar a eficiência na gestão dos recursos hídricos e energéticos, conservar e aproveitar os recursos genéticos e os recursos endógenos, fortalecer os meios de subsistência rurais e promover a equidade e o bem-estar social.
Estes são objetivos complexos, que se entrelaçam com um futuro de alterações climáticas e que também têm de ter em conta os desafios colocados pelo Pacto Ecológico Europeu e em particular pela estratégia ‘Do Prado ao Prato’ que, apresenta objetivos ambiciosos a atingir até 2030, dos quais salientam-se:
● Reduzir em 50% a utilização de pesticidas químicos e o risco deles decorrente e reduzir em 50% a utilização dos pesticidas mais perigosos;
● Reduzir as perdas de nutrientes em, pelo menos, 50%, garantindo simultaneamente que não há deterioração da fertilidade dos solos, o que reduzirá a utilização de fertilizantes em, pelo menos, 20%.
A chave para atingir esses objetivos múltiplos é a adoção de abordagens sistémicas e individualizadas. Uma abordagem sistémica envolve a promoção de estratégias de desenvolvimento integradas e harmonizadas dentro do setor vitivinícola, ao longo de todas as fases da cadeia de produção, de modo que levem em consideração as sinergias e o trade-off entre as suas diferentes dimensões.
Uma abordagem individualizada foca-se em cada exploração agrícola como um indivíduo único, com particularidades em termos de recursos hídricos, energéticos, solo, castas, caraterísticas climáticas e biodiversidade. Na prática, estas abordagens traduzem-se na promoção de boas práticas agrícolas aliadas a soluções tecnológicas que se adequem a cada realidade em prol da CSA que o futuro exige.
Pode-se elencar exemplos de boas práticas agrícolas, que são também abordagens CSA, como o cultivo de castas adaptadas, a adequada gestão do solo, da fertilização e da rega, práticas de conservação de solo, uso de plantas de cobertura do solo, gestão integrada de doenças e pragas, preservação da biodiversidade nas áreas de produção e áreas limítrofes, e gestão da entrada e saída de matérias-primas, subprodutos e resíduos. Assim, é importante salientar que a adoção destas práticas deve respeitar as caraterísticas individuais de cada exploração, em larga ou pequena escala, designando-se por isso de agricultura de precisão.
A agricultura de precisão pode ser aplicada conjuntamente com tecnologias digitais emergentes, a chamada agricultura 4.0, elevando o seu potencial de abrangência. São aplicações que podem auxiliar os atores da cadeia de produção e os agricultores na gestão mais eficaz e sustentável dos recursos naturais como o solo, a água ou até a aplicação de fitofármacos. Com respeito aos recursos hídricos, existem ferramentas tecnológicas utilizadas para a monitorização e gestão precisa da rega (determinação das necessidades durante o ciclo produtivo) e reutilização das águas residuais nos sistemas de produção. Já ao nível do solo, destacam-se as tecnologias para a monitorização da saúde/ fertilidade do solo (biodiversidade existente nomeadamente as comunidades microbianas) e os sistemas para a identificação e caraterização do solo para a gestão eficiente e otimizada da fertilização (mapas de prescrição para a variável aplicação). Em relação à fitossanidade das plantas, têm sido desenvolvidos modelos de previsão de pragas e doenças integrados em sistemas de apoio à decisão, dispositivos para monitorização de pragas em tempo real, tecnologias para aplicação variável dos produtos fitofarmacêuticos e aplicação de dispositivos não destrutivos para monitorização da qualidade e da previsão do rendimento da produção.
Neste âmbito, existem iniciativas concretas para o desenvolvimento de soluções inovadoras que promovam uma viticultura sustentável bem como abordagens inteligentes para o clima, nomeadamente:
1. Património genético e adaptação das castas às alterações climáticas:
Os recursos genéticos são os alicerces da sustentabilidade, resiliência e adaptabilidade às alterações climáticas. Sendo Portugal um País com uma grande riqueza de castas, a caraterização da adaptabilidade cultural e enológica das mesmas é a ferramenta de adaptação às alterações climáticas mais importante. Está em curso um Grupo Operacional que estuda a adaptabilidade de cerca de 200 castas (WineClimAdapt) em diferentes ambientes e em diferentes condições de disponibilidade hídrica. Neste estudo, para além da grande maioria de castas autóctones é também avaliada a adaptabilidade de castas internacionais, recorrendo a metodologias clássicas e técnicas de fenotipagem digital de alto débito (drones equipados com câmaras multiespectrais e térmicas) (Figura 1).
Figura 1. Fenotipagem de alto débito no Campo Ampelográfico do Esporão (drone DJI Inspire 100, câmara multiespectral Micasense Red Edge e câmara térmica Flir Vue Pro R).
2. Deteção precoce de pragas e doenças e diminuição do uso de fitofármacos:
Sendo uma obrigação melhorar a eficiência da aplicação dos produtos fitofarmacêuticos, importa desenvolver técnicas que permitam, em tempo real, detetar precocemente pragas e doenças por forma a permitir uma atuação mais persuasiva e apenas quando estritamente necessário e nos momentos mais oportunos. Atualmente, diferentes técnicas e modelos estão em processo de desenvolvimento, e baseiam-se quer em imagem digital (incluindo multiespectral) quer em armadilhas inteligentes. Estes sistemas adquirirem imagens com intervalos regulares e transmitem a informação em tempo real para servidores, onde os dados são processados por técnicas de inteligência artificial para identificar as pragas, fazer as contagens e identificar a altura ótima do tratamento. Exemplo disso são os trabalhos realizados nos Pilotos portugueses do projeto europeu DEMETER, quer em vinha, quer em fruteiras e olival.
3. Soluções tecnológicas à medida para a gestão da água e dos fatores de produção:
A monitorização das necessidades reais do estado hídrico da vinha para uma melhor gestão da rega, incluindo a rega deficitária, apresenta-se como uma estratégia para melhorar a adaptação das vinhas às alterações climáticas e utilizar de forma mais eficaz os recursos. Neste sentido, é importante conhecer o ecossistema solo, planta e ambiente, e correlacionar os dados destes ecossistemas num sistema único para retirar as relações corretas relativas à necessidade efetiva da planta. Esta monitorização é já uma realidade. De facto, têm sido desenvolvidos e aplicados sensores de baixo custo para a monitorização da humidade do solo, do fluxo de seiva e dos fatores ambientais. Estes dados, são integrados e depositados numa plataforma que, por recurso à inteligência artificial são depois processados de forma a permitir o desenvolvimento de um sistema de apoio à decisão em tempo real e útil para os produtores. Um exemplo destas soluções é o SOFIS - Smart Orchard Ferti-Irrigation System -, que é um sistema de sensores de baixo custo personalizado e que foi desenvolvido para a monitorização em tempo real do ecossistema do solo, planta e atmosfera (Figura 2).
Figura 2. SOFIS - Smart Orchard Ferti-Irrigation System, sistema de sensores personalizados de baixo custo desenvolvido de acordo com as necessidades de cada realidade agrícola (produto Smart Farm CoLab).
Os objetivos para alcançar uma viticultura sustentável e inteligente para o clima são complexos e caraterizam um desafio fundamental para o futuro da agricultura portuguesa. Este desafio é também um desígnio central de todas as políticas europeias pelo que o INIAV e o SFCOLAB visam responder a este desafio e às diferentes necessidades de cada realidade agrícola portuguesa. Seja auxiliando a produção em larga escala (orientada para exportação), seja a produção em pequena escala, de enorme importância social e ocupação do território (orientada para cadeias curtas de distribuição) e com a valorização dos ‘terroirs’ nacionais.