A Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia (UE) estabeleceu como prioridade completar a reforma da Política Agrícola Comum (PAC). Quisemos saber quais as expetativas das associações e cooperativas do setor face a esta nova ferramenta para a agricultura nacional. O peso da componente ambiental – ecoregimes, Farm to Fork – destaca-se, mas o regadio também está presente, bem como a possibilidade de flexibilização dos instrumentos em cada país.
Neste sentido, a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, já disse que durante o primeiro trimestre, Portugal tentará facilitar um acordo entre as instituições sobre os três regulamentos que compõem a reforma: o dos Planos Estratégicos Nacionais, o da Organização Comum de Mercados e o regulamento sobre o financiamento das ajudas.
É neste contexto que importa ouvir o setor agrícola nacional e a forma como os agentes encaram o futuro da PAC. Neste artigo, falamos com dirigentes representativos de várias organizações setoriais, bem como a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes. (Ver Caixa).
“Consideramos que as alterações mais relevantes da nova PAC face à anterior, não derivam da sua arquitetura, mas antes de uma tónica mais forte nos objetivos ambientais e climáticos da PAC, seja por via do acréscimo das condicionantes ambientais dos apoios da PAC, seja por via do incentivo a práticas ‘amigas do ambiente’”, começa por dizer Aldina Fernandes, secretária-geral adjunta da CONFAGRI.
Aldina Fernandes, secretária-geral adjunta da CONFAGRI.
A responsável adianta: “o que nós esperamos é que, como resultado do exercício de programação do PEPAC em curso e da sua negociação posterior com a Comissão Europeia, o Governo português, venha a compensar os agricultores, nos seus esforços para cumprirem práticas benéficas para o ambiente e clima cada vez mais exigentes e ambiciosas, de uma forma justa e equilibrada a nível regional e setorial”.
“Esperamos também que os interesses estratégicos do país, a nível da produção alimentar, da gestão ativa do território e da coesão social, sejam compatibilizados com objetivos ambientais da PAC. Face à diversidade de instrumentos que integram a PAC, consideramos que essa compatibilização é possível e que depende essencialmente da vontade política a nível nacional”, acrescenta Aldina Fernandes.
Por seu lado, Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), considera que “este novo desenho da PAC, com base em metas ambientais definidas no Pacto Ecológico Europeu e na ambicionada neutralidade carbónica em 2050, deve ser encarado pelos agricultores como uma oportunidade para renovarem a perceção da sua importância perante a sociedade, porque a agricultura não é uma ameaça ao ambiente. Pelo contrário, é precisamente através do trabalho desenvolvido no mundo rural que se promove a sustentabilidade do território, o equilíbrio ambiental e se evitam fenómenos como o despovoamento do interior”.
Luís Mira, secretário-geral da CAP.
O responsável lembra que “para os agricultores conseguirem prestar este serviço às comunidades, para além de produzirem alimentos a preços, baratos, seguros e com qualidade, são necessários apoios e compensações que, na realidade, não se destinam apenas aos agricultores, são para a sociedade como um todo”, assim, “a CAP tem vindo a considerar positivo o conjunto de verbas aprovadas para Portugal no âmbito do novo pacote da PAC, até porque numa fase inicial se previram cortes em vez da manutenção de verbas”.
Luís Mira sublinha, no entanto, que “é necessário que as verbas cheguem aos agricultores atempadamente e sem erros nem problemas burocráticos. E, para isso, dependemos do Governo nacional, do Ministério da Agricultura e da sua máquina administrativa: e este é que é o principal desafio e a chave para que a nova PAC seja bem-sucedida junto dos agricultores portugueses, até porque há liberdade para os países tomarem decisões a nível nacional”.
Um dos desafios que a CONFAGRI elege para o período de aplicação da nova PAC “é o do reforço da organização da produção nacional, que é claramente um défice da nossa agricultura face às agriculturas mais desenvolvidas do espaço europeu e extra-europeu”.
“Quando não estão organizados em estruturas de comercialização - como é o caso das cooperativas agrícolas e de outras organizações de produtores - os agricultores ficam numa situação de grande fragilidade na cadeia agroalimentar, de maior vulnerabilidade face ao poder negocial da grande distribuição e com muito menor capacidade para enfrentar qualquer situação de crise. Consideramos, por isso, prioritário, reforçar o setor cooperativo agrícola português, seja através de uma diferenciação positiva nas condições de acesso aos incentivos da nova PAC, seja através de medidas específicas que reforcem a sua capacidade técnica e de gestão”, explica.
Uma questão fundamental para a Fenareg é que “a PAC inclua uma estratégia nacional para o regadio”, mas também a CAP considera essencial a gestão dos recursos hídricos: “há desafios da nova PAC que se relacionam com o período histórico que atravessamos e com a transformação das sociedades, nomeadamente relacionados as alterações climáticas, com as mutações na preferência dos consumidores e a valorização de novos aspetos, nos quais se integram a preocupação como o ambiente e a sustentabilidade. Mas também há desafios muito específicos, relativos ao modo de produção mediterrânico e aos hábitos alimentares desta região, que não coincidem exatamente com o tipo de produção de outros países mais a norte. Por exemplo, a gestão dos recursos hídricos é completamente diferente entre os países do sul, onde a água escasseia, e os países do norte, onde frequentemente a água excede o necessário e o conveniente”, destaca o secretário-geral.
José Núncio, presidente da Fenareg, explica que “o regadio é determinante para o nosso país conseguir ter uma agricultura economicamente sustentável (com produções, pelo menos, cinco vezes superiores à agricultura de sequeiro), para além de ser fundamental para podermos responder aos desafios da segurança alimentar (aumento de 70% da produção vegetal e animal, até 2050)”. E sublinha: “o regadio, ao contrário do que se tenta fazer crer, é um fator de sustentabilidade ambiental, pois assegura a conservação da biodiversidade, como são bons exemplos os espaços de conservação da avifauna no Estuário do Tejo e na Lezíria de Vila Franca de Xira – enquadrados nos habitats naturais e agrícolas de que depende – a mitigação e adaptação às alterações climáticas, a valorização das paisagens rurais e contribui para a vitalidade e coesão económica e social dos territórios rurais”.
José Núncio, presidente da Fenareg.
A Fenareg propõe sete eixos de desenvolvimento estratégico das políticas públicas de regadio a integrar na nova PAC: aumentar a capacidade de armazenamento de água e de regularização interanual; expandir a área infraestruturada para rega; modernizar as infraestruturas públicas de rega; promover as melhores práticas de rega nas explorações agrícolas; rever modelos de tarifários e adequar a legislação à nova realidade; reforçar a sustentabilidade ambiental do regadio; e compatibilizar instrumentos de ordenamento do território e de conservação da natureza com a expansão das áreas regadas.
O presidente da Fenareg defende que “a modernização do regadio é um elemento-chave para economizar água, mitigar os efeitos das mudanças climáticas e poder dispor de um regadio sustentável no futuro”, e ainda que “continua a existir uma lacuna nos apoios para aumentar a capacidade de armazenamento de água”, sublinhando que “o problema pode-se agravar, pois a capacidade de armazenamento de água não será suficiente para fazer face às alterações do clima”.
Gonçalo Almeida Simões, diretor executivo da Associação de Olivicultores e Lagares do Sul (Olivum), afirma que em termos estruturais, “a novidade é que as ajudas diretas e o desenvolvimento rural farão agora parte de um único regulamento, mas a disrupção desta reforma vem da autonomia, dada aos EM, em termos de decisões nacionais. Essa autonomia vem acompanhada de uma responsabilização dos EM que terão que assumir politicamente o peso das suas escolhas, sem poderem alegar ter sido uma imposição de Bruxelas, nos capítulos da reforma da PAC, em que a escolha nacional não seja bem-sucedida”.
Para o dirigente, o toque distintivo desta PAC “são os PEPAC e Portugal terá que ter o cuidado de consultar os vários setores para, de uma forma concertada, elaborar uma lista de ECO - esquemas e de MAA (Medidas AgroAmbientais) que não seja completamente teórica e desfasada da realidade. Terão que ser medidas capazes de compensar a redução do pagamento base que será uma realidade, tendo em conta o princípio da convergência interna”.
“Não seria compreensível que Portugal, depois de assegurar a ambicionada manutenção do pacote financeiro, não fosse capaz de operacionalizar esta nova PAC, mantendo a dinâmica de crescimento do setor agroalimentar no país, sobretudo, num momento em que mais uma vez este setor será um dos motores da economia portuguesa, em plena recessão económica”, avisa.
"O olival moderno, por via da agricultura de precisão, tem feito um admirável percurso de gestão criteriosa na utilização dos fatores de produção", diz a Olivum.
A estratégia Farm to Fork é a materialização do Green Deal no domínio do agroalimentar e “devemos ter sempre em conta que os objetivos elencados são aspiracionais e não são aplicáveis individualmente a cada EM”, diz Gonçalo Almeida Simões, lembrando que um dos objetivos é a redução em 50% da utilização de fitofármacos e o risco deles decorrente e em 50% a utilização dos mais perigosos até 2030. “Estes objetivos não podem ser empolados politicamente ou alimentados por entusiasmos subjetivos e populistas”.
Portugal e nomeadamente o olival, “parte para este exercício com uma vantagem comparativa, pois de acordo com o Eurostat, foi precisamente Portugal, num conjunto de 14 EM, quem mais diminuiu a venda de fitofármacos, concretamente em 43%, entre 2011 e 2018. Não seria, por isso, aceitável que Portugal não levasse em consideração estes dados nas negociações em Bruxelas, dados que, aliás, não são portugueses, mas da própria UE. Há dados empíricos sobre o esforço que o país tem feito e esse mesmo esforço terá agora que ser recompensado pela UE, quando comparado com EM como a França ou Áustria que, em sentido inverso, aumentaram o consumo de fitofármacos em 40%”, recorda.
“É necessário que se faça uma análise mais micro a nível nacional, e aí o olival surge em posição de destaque, pois apesar de ter uma área de 360.000 hectares, o que corresponde a 10% da SAU em Portugal, tem apenas uma quota de mercado de 8% no mercado nacional de fitofármacos. O olival moderno, por via da agricultura de precisão, tem feito um admirável percurso de gestão criteriosa na utilização dos fatores de produção, nomeadamente, água (3000 m3/hectare) e utilização criteriosa de fertilizantes”, adianta.
O responsável diz ainda que, tendo em conta que o país está acima da média europeia em termos de performance ambiental, relacionada com a agricultura, por exemplo, na utilização de fitofármacos ou emissão de CO2, “caberá a Portugal traçar as metas nacionais de forma consciente e não esquecendo que tendo o setor feito um esforço que está objetivamente acima dos seus congéneres europeus”. E deixa o alerta: “exigências desfasadas da realidade agrícola europeia provocarão abandono e problemas de concorrência desleal”.
“O segundo pilar da PAC é, e continuará a ser, o motor da modernização do setor agrícola”, salienta Aldina Fernandes.
Assim, entende que o II pilar da PAC, onde continuarão a integrar-se os apoios aos investimentos na área da competitividade e da organização da produção (instalação de jovens agricultores, modernização das explorações agrícolas, estruturas de transformação e comercialização, investimentos no regadio e nas florestas, seguros agrícolas e organizações de produtores), da inovação e conhecimento, do desenvolvimento local e ainda, os incentivos às medidas de natureza agroambiental e de apoio às zonas de montanha e outras afetadas por condicionantes naturais significativas, “carece de pacote financeiro suficientemente robusto, nunca inferior ao que tivemos no período 2014-2020”.
Já o secretário-geral da CAP refere que no nosso país, a utilização das verbas comunitárias difere de outros países. No nosso caso, há um peso muito significativo do segundo pilar (PDR) face ao primeiro pilar (pagamentos diretos). Por exemplo, França, Alemanha e a Espanha andam pelos 80% a 90% no primeiro pilar, e Portugal não ultrapassa os 50% e defende que “a possibilidade de efetuar transferências do PDR para o primeiro pilar, poderá permitir uma aproximação do nosso país à média comunitária no que concerne aos valores a pagos por hectare”.
Firmino Cordeiro, diretor-geral da Associação dos Jovens Agricultores de Portugal (AJAP), admite que em relação ao pacote financeiro da PAC, para Portugal no II Pilar, onde estão inseridas as atuais medidas agroambientais e os apoios ao investimento, vamos sair perdedores no próximo programa de apoios da PAC.
Considera que a produção integrada foi uma excelente medida, pois para além das questões ambientais, reforçou setores sempre pouco apoiados pela PAC em Portugal.
Com o fim previsto desta importante medida (último ano 2021), Firmino Cordeiro recorda que “uma vez que a produção integrada atingiu um patamar de grande adesão no País, terá de existir nesta evolução em exigência ambiental, um novo patamar entre a atual 'produção integrada' e o Modo de Produção Biológico, onde se poderiam inserir milhares de agricultores em Portugal, se nada for feito correm o risco de perder muitos apoios e alguns terem mesmo de abandonar a atividade".
Ainda relativamente ao II Pilar, em relação ao investimento e à instalação de jovens agricultores, defende um sistema com prémios e taxas de apoio diferenciadas em função da realidade agrícola nacional, "essa diferenciação positiva até poderia ser aferida pelos Territórios de Baixa Densidade". Realidades diferentes apoios diferentes, e diz mesmo “isto são medidas de política de quem não quer deixar nem jovens, nem regiões à sua sorte”, defende ainda que os jovens agricultores ainda aguardam uma verdadeira medida de acompanhamento técnico durante a fase de execução do projeto, instalação e nos primeiros anos de vida nesta atividade.
Defensor que a água bem gerida e criteriosamente utilizada é fundamental para se fazer agricultura em Portugal, é apologista da necessidade de maiores investimentos na retenção de águas da chuva através de barragens, nomeadamente, no corredor de todo o interior do país, contudo, lembra, que algumas existentes deveriam ter dupla aptidão, produção de energia e agricultura dando o exemplo da Barragem do Baixo Sabor.
Relativamente ao incremento no Modo de Produção Biológico por toda a União Europeia, acredita e defende que “Portugal ainda pode crescer muito em Agricultura Biológica”, mas terá de investir mais na comercialização destas produções e na promoção e valorização dos seus produtos.
A ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, fala à Agriterra sobre o futuro da PAC e das prioridades do País durante a Presidência Portuguesa do Conselho da UE.
Quais as principais prioridades para a agricultura durante a Presidência Portuguesa do Conselho da UE?
A Presidência Portuguesa desenvolverá a sua ação com base em três prioridades: promover uma recuperação europeia alavancada pelas transições climática e digital; concretizar o Pilar Social da UE como elemento essencial para assegurar uma transição climática e digital justa e inclusiva; reforçar a autonomia estratégica de uma Europa aberta ao mundo. Quanto à agricultura, as prioridades inserem-se essencialmente nas linhas de ação que visam promover ‘Uma Europa Resiliente e uma Europa Verde’, das quais destacamos quatro prioridades:
Quais são os pontos que Portugal considera serem fundamentais conseguir aprovar na nova PAC?
Em outubro de 2020 foi acordado entre todos os Estados-membros, a proposta do Conselho para os três regulamentos que constituem a reforma da PAC. É sobre este acordo que a Presidência Portuguesa tem mandato para negociar com o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia, nos chamados trílogos. Estamos empenhados para que, em janeiro de 2023, estejam reunidas as condições para implementar esta reforma, fundamental para a transição ambiental e digital.
E quais são as ‘linhas vermelhas’?
Neste momento, não fixamos linhas vermelhas, mas selecionámos os pontos mais relevantes que vão necessitar de um maior acompanhamento político e técnico. Consideramos que existe um quadro favorável para entendimentos.
A sustentabilidade (Green Deal, Farm to Fork, etc.) é uma grande aposta do Conselho Europeu para o futuro da agricultura europeia. A PAC vai dar ferramentas aos agricultores para esta aposta?
O Pacto Ecológico Europeu e a Política Agrícola Comum estão interligados. A arquitetura verde é um dos pontos centrais da nova PAC e ganha maior pertinência e atualidade com esta estratégia, sendo a futura PAC um instrumento fundamental para alcançar os objetivos da Estratégia do Prado ao Prato. É exemplo, nesta arquitetura verde, um novo instrumento no 1º pilar da PAC – os ecoregimes – um pagamento anual para compromisso ambientais, em que o Conselho é já mais ambicioso face à proposta da Comissão Europeia, ao defender que este novo instrumento represente um envelope financeiro mínimo de 20% dos pagamentos diretos.