"A agricultura portuguesa é uma agricultura resiliente"
Em entrevista exclusiva à AGRITERRA, a ministra da Agricultura analisa os efeitos da pandemia no setor e aborda os constrangimentos e desafios que se colocam à agricultura portuguesa no futuro. E não tem dúvidas: "hoje, o país, está ainda mais consciente do valor e do papel do setor".
O contexto que marca a atualidade chegou sem aviso prévio e os desafios que trouxe não têm comparação. Assim sendo, a situação de crise de saúde pública, derivada da pandemia Covid-19, teve um efeito inesperado, global e impactante, quer na nossa vida quotidiana, quer em todos setores de atividade económica, incluindo a agricultura e a indústria agroalimentar. A prioridade do Ministério passou, não só por mitigar os efeitos da pandemia no setor, mas também por continuar a garantir o seu crescimento económico, designadamente através da criação de valor acrescentado e dos apoios necessários ao reforço da produção nacional, e por continuar a agilizar as condições para a recuperação da evolução positiva da balança comercial, verificada nos últimos anos.
Neste contexto, em articulação com as diversas áreas governativas e em diálogo permanente com as organizações representativas do setor, procurámos responder às necessidades identificadas a cada momento e, assim, assegurar o seu funcionamento e o abastecimento alimentar. Para isso: com o Ministério da Economia e Transição Digital foi criado um Grupo de Acompanhamento e Avaliação das Condições de Abastecimento de Bens nos Setores Agroalimentares e do Retalho em virtude das dinâmicas de mercados determinadas pela Covid-19; estabelecemos, também, um grupo interno no Ministério da Agricultura, para acompanhamento do funcionamento da cadeia de abastecimento alimentar; e assumimos representação na Subcomissão para acompanhamento da situação epidemiológica Covid-19 da Proteção Civil e na Estrutura de Monitorização do Estado de Emergência. Deste processo, altamente participado, surgiu um plano de medidas excecionais, o qual foi atualizado com novas ações e apoios, transversais e específicos, consoante novas necessidades fossem identificadas ou fossem alcançados novos acordos junto da Comissão Europeia. Tiveram também início, desde logo, contactos exaustivos com a Comissão Europeia e com os Estados-membros no Conselho de Ministros da Agricultura, visando trabalhar numa resposta conjunta e articulada para prevenir uma crise de mercado.
A agricultura nacional mostrou-se resiliente e não parou. E temos, neste momento, não só de a apoiar devido às quebras de rendimento que se preveem neste ano de 2020, mas também de começar a relançar a dinâmica e o investimento no terreno. Ou seja, estamos, agora, numa outra etapa, mas que é igualmente desafiante: a fase da estabilização e da retoma. Esta resposta tem de chegar a todos. Seja a uma agricultura com alguma escala e mais competitiva, seja a uma agricultura de pequena dimensão, de cariz familiar, que tem um papel essencial na ocupação do território e na coesão social, na produção de produtos locais e tradicionais. Ambas são essenciais para que possamos retomar a trajetória positiva do setor e ambas estarão presentes nas respostas aos desafios que se seguem e que já o eram antes da pandemia. Designadamente através da Agenda de Inovação para o setor, que será apresentada em breve, e do Plano Estratégico para a Política Agrícola Comum (PAC), que levaremos a consulta pública, e sempre em linha com as orientações europeias e internacionais (PAC, Pacto Ecológico Europeu, Estratégia 'Farm to Fork', Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), procuraremos consolidar a sustentabilidade ambiental, económica e social associada ao setor.
Ambicionando a Agricultura ser parte da solução, pretendemos, a par da garantia do abastecimento alimentação, reforçar o seu contributo na resposta a outras 'questões-chave' da atualidade, entre as quais se destacam os efeitos das alterações climáticas e o desenvolvimento socieconómico dos territórios rurais. Assim, queremos corroborar o papel da Agricultura na ocupação do território e, consequentemente, no combate a flagelos como os incêndios rurais e o despovoamento, queremos fomentar a sua competitividade e rentabilidade, queremos fortalecer a sua ligação à investigação e ao conhecimento, queremos aumentar a sua atratividade junto dos mais jovens e, como resultado de tudo isto, queremos evidenciar a ponte que une a aposta na Agricultura, uma gestão ativa do território e o desenvolvimento coeso e sustentável do país.
Não esqueçamos: segundo números anteriores ao contexto marcado pela pandemia Covid-19, o complexo agroalimentar apresentava um importante peso na economia nacional, enquanto recurso endógeno e produtor de bens transacionáveis, gerando 3,9% do total do VAB e 10,7% do emprego total, representando ainda 7,2% dos valores das exportações e 11,3% dos valores das importações de bens e serviços da Economia. Saliente-se o papel exportador, sendo que, nos últimos dez anos, as exportações do complexo agroalimentar tinham vindo a crescer a um ritmo superior (5,1% ao ano) ao das importações (2,9% ao ano). Nestes últimos meses, caracterizados por uma grande incerteza, o setor agroalimentar foi sujeito a um desafio ímpar. Por um lado, assumiu, desde o primeiro momento, a responsabilidade de não parar, de continuar a trabalhar para garantir produtos seguros e de qualidade e a alimentação dos cidadãos; por outro, ficou sujeito a bruscas mudanças nos canais comerciais e no perfil da procura por parte dos consumidores, com consequentes aumentos de custos e, também, redução de margens.
A agricultura nunca parou. Só poderei salientar e agradecer, mais uma vez, o esforço, trabalho e dedicação dos agricultores e produtores, dos trabalhadores do setor agrícola e agroalimentar, de todos os empresários e trabalhadores das diversas empresas das cadeias de abastecimento alimentar. Graças a todas e a todos que integram o setor, nada falhou e continuamos a ter acesso a produtos seguros e de qualidade. Um sentimento que, estou certa, é partilhado por todo o país, como ficou comprovado aquando da campanha que levámos a cabo – 'Alimente quem o alimenta' -, a qual, procurando incentivar o consumo de produtos nacionais e materializar um agradecimento ao setor, encontrou uma adesão e uma projeção que superaram largamente as nossas expectativas. Não tenho dúvidas: hoje, o país, está ainda mais consciente do valor e do papel do setor.
Esta pandemia afetou todos os setores da economia portuguesa e mundial. E teve, claramente, consequências para todo o complexo agroalimentar. Em março, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), houve uma quebra muito significativa de todos os bens transacionáveis. O setor agroalimentar, do ponto de vista das exportações, continuou a crescer a um ritmo superior a 9% face ao período homólogo. Já em abril, e num contexto marcadamente pandémico, o setor e o complexo agroalimentar, aumentou de forma mais incipiente, mas subiu 1,6%. No primeiro quadrimestre, do ponto de vista das exportações, continuámos a subir face ao período homólogo do ano passado em cerca de 3,7% e as importações diminuíram 1%. Durante estes primeiros quatro meses de 2020 contribuímos para uma diminuição do nosso défice da balança comercial em 112 milhões de euros. São dados que nos parecem positivos, mas que estão longe daquilo que tínhamos previsto. Vínhamos de uma trajetória de crescimento nas exportações, estamos representados em mais de 60 países, temos mais de 240 produtos em mercados externos e continuamos a procurar novos mercados para diferentes produtos. Estamos a trabalhar para mitigar os efeitos da pandemia no setor, mas também para continuar a garantir o seu crescimento económico, designadamente através da criação de valor acrescentado e dos apoios necessários ao reforço da produção nacional. Todos prevemos que os níveis de consumo e de exportação possam levar algum tempo a recuperar e existem alguns setores com especial vulnerabilidade. Neste quadro, é intenção utilizar ao máximo a flexibilidade permitida pelos regulamentos comunitários e, também, com o complemento de verbas nacionais, assegurando assim, aos agricultores, um quadro de maior previsibilidade no apoio à superação desta fase difícil. Temos, neste momento, não só de apoiar a Agricultura devido às quebras de rendimento que se preveem neste ano de 2020, mas também de começar a relançar a dinâmica e o investimento no terreno. Esta resposta tem de chegar a todos: seja a uma agricultura com alguma escala e mais competitiva, seja a uma agricultura de pequena dimensão, seja a uma agricultura com alguma escala e mais competitiva.
Nesse sentido, e no âmbito do Plano Especial de Estabilização Económica e Social, o Ministério da Agricultura apresentou um conjunto de medidas que visam promover o desenvolvimento do setor agroalimentar, com efeitos particulares sobre os territórios rurais e em particular no interior do País. Desde logo com o apoio à instalação de jovens agricultores (2 milhões de euros), discriminando positivamente, na seleção das candidaturas, os jovens agricultores que se querem instalar pela primeira vez no Interior do país. De forma complementar, será criado um aviso para investimento na exploração agrícola específico para os jovens agricultores a instalar no interior; um apoio ao investimento na exploração agrícola (de cerca de 3 milhões de euros) específica para a agricultura biológica, que terá em conta a localização da exploração agrícola em zona Interior como critério de prioridade. Estão também previstos apoios à criação de agrupamentos e organizações de produtores, (cerca de 0,5 milhões de euros) nomeadamente para os multiprodutos e ainda o Instrumento Financeiro Crédito BEI (300 milhões de euros), para complementar investimentos novos e em curso no âmbito do PDR2020 e para fundo de maneio.
Os principais impactos causados pela Covid-19 no setor agroalimentar sentiram-se sobretudo com o fecho do canal Horeca, com as quebras em determinados circuitos de comercialização, sobretudo em produtos de maior valor como queijo ou carne de vaca de raças autóctones, produtos especialmente produzidos para restauração, como a criação de leitões e pequenos ruminantes, as frutas e os produtos frescos e perecíveis, como as flores. Por outro lado, as restrições à aviação comercial (e também de carga) e o encarecimento dos fretes de transporte rodoviário e também marítimo colocaram dificuldades de escoamento para exportação em alguns produtos, como as aves e ovos, as flores e o azeite. No entanto, com a reabertura da restauração e dos hotéis, embora com um ritmo ainda muito inferior ao período pré-Covid-19 e a abertura dos mercados externos há já sinais positivos.
No caso dos produtos alimentares e bebidas, segundo dados do INE, as exportações cresceram em abril 0,3%, quando comparadas com o mesmo mês de 2019. Também em valores de exportações, quando se compara abril de 2020 com abril de 2019, o Complexo Agroalimentar registou um ligeiro acréscimo das exportações (+1,6%; 546 para 554 milhões de euros) e uma redução das importações (-10,6%; 878 para 785 milhões de euros). Em maio, os dados já refletem um maior impacto da pandemia nas exportações. No entanto, há alguns setores que têm conseguido crescer quer em volume quer em valor, como é o caso das plantas vivas e dos produtos de floricultura, dos animais vivos, das frutas de casca, como os citrinos e os melões. A maior quebra é sentida no peixe, nos crustáceos e moluscos, nos cereais, no leite e ovos e ainda no vinho. Contudo, os dados preliminares de junho já denunciam alguns sinais positivos, como é o caso do aumento das exportações em 13,5% em valor para o caso do vinho do Porto e de 14,5% para o vinho do Douro. Portugal vinha a evidenciar a sua força exportadora há vários anos. O complexo agroalimentar representava 7,2% do total das nossas exportações e com um ritmo de crescimento de 5,1% ao ano.
Ainda não temos dados específicos para cada uma das culturas, mas, para já, prevê-se uma boa campanha, quer para o azeite quer para o vinho. No caso do azeite a safra do último ano atingiu um máximo histórico. Veremos como corre este ano.
O Pacto Ecológico Europeu (PEE), apresentado a 11 de dezembro de 2019 pela Comissão Europeia, estabeleceu oito domínios de intervenção, que sinteticamente se podem agrupar em: energia limpa, indústria sustentável, construção e renovação, mobilidade sustentável, biodiversidade, eliminação da poluição, poluição zero e 'Do prado ao Prato', formas de assegurar uma cadeia alimentar mais sustentável.
A estratégia 'Do prado ao Prato' visa garantir uma alimentação acessível e sustentável, enfrentar as alterações climáticas, proteger o ambiente, preservar a biodiversidade e aumentar a agricultura biológica, contribuindo ainda para atingir uma economia circular. Os objetivos são ambiciosos, com implicações na agricultura portuguesa e, também por isso, terá que existir transição inclusiva, sem deixar ninguém para trás. Inovação e o conhecimento terão um papel fundamental na resposta continuada e sustentável da produção de alimentos. Acresce que sobre a execução da PAC recaem agora as exigências decorrentes do Green Deal e das Novas Estratégias para a Biodiversidade e Farm to Fork, recentemente publicadas, as quais, sem prejuízo de uma avaliação de impacto, acarretarão, naturalmente, novos encargos para os agricultores na implementação dos Planos Estratégicos.
Foi constituído um Acordo de Financiamento entre o Estado Português e o Fundo Europeu de Investimento (FEI) que permite a abertura de 'linhas de crédito' no montante global mais de 300 milhões de euros, no âmbito das medidas de investimento na exploração agrícola, incluindo jovens agricultores, (3.1.3 e 3.2.3) e agroindústria (3.3.3) do PDR2020. Este acordo permitirá um acesso ao crédito com taxas de juros mais baixas, com maior flexibilidade nas garantias exigidas, maturidades mais longas ou períodos de carência mais vantajosos.
O PDR2020, à semelhança dos programas de desenvolvimento rural anteriores, e no âmbito do apoio ao investimento na exploração agrícola e na transformação e comercialização de produtos agrícolas, concede o apoio às maquinas agrícolas.
A ministra Maria do Céu Antunes deixa, nesta entrevista, uma mensagem de esperança e confiança aos agricultores portugueses.
Após uma longa negociação, o Conselho Europeu alcançou um acordo que estabelece o orçamento da UE para o período 2021-2027 e, com ele, a distribuição de Fundos para a PAC. Os recursos financeiros destinados à agricultura e ao desenvolvimento rural proveem do Quadro Financeiro Plurianual e do Instrumento de Recuperação (Next Generation EU). Com o envelope acordado para a PAC, o Ministério da Agricultura considera estarem asseguradas as condições necessárias para que o setor possa superar os desafios que se lhe colocam, garantindo a sua modernização e o apoio a uma transição justa na construção de mais sustentabilidade nos próximos sete anos.
Como resultado desta negociação, Portugal conseguiu, para a PAC, não só atingir, como ultrapassar o seu objetivo negocial de garantir o orçamento do período atual, através do reforço do envelope financeiro, para o período 2021-2027, de 446 milhões de euros, comparativamente ao período de 2014-2020.
Assim, estarão disponíveis, a partir de 2021, 9.782 milhões de euros de fundos comunitários distribuídos no I pilar da PAC (Pagamentos Diretos e Medidas de mercado), com 5.509 milhões de euros, e no II pilar da PAC (o Desenvolvimento Rural), com 4.274 milhões de euros. Este montante global da PAC representa um acréscimo de 5%, a preços correntes, entre períodos de programação. É ainda de destacar que o processo negocial permitiu inverter um corte inicialmente previsto na proposta da Comissão Europeia, em junho de 2018, que se cifrava em -15% no Desenvolvimento Rural, e um reforço de 2 pontos percentuais no caso dos Pagamentos Diretos.
Nesta fase de emergência, criámos condições para que a cadeia não fosse interrompida, que nada faltasse na mesa dos portugueses e que houvesse liquidez nas empresas e alguma previsibilidade. Criámos imediatamente um conjunto de regras de simplificação dos regulamentos entre o agricultor e a administração central, alargámos os prazos de candidaturas e antecipámos pagamentos. Conseguimos colocar na tesouraria das empresas e dos produtores agrícolas 60 milhões de euros. Por outro lado, reforçámos as cadeias curtas, criando condições para que os pequenos agricultores e os mercados locais pudessem funcionar. Lançámos a medida de retirada de mercado no setor das frutas e dos legumes, permitindo a inclusão dos pequenos frutos que não estavam incluídos e alargámos o leque dos beneficiários. Lançámos ainda a campanha 'Alimente que o Alimenta', que chegou a mais de quatro milhões de pessoas, com mais de mil produtores inscritos e cerca de 100 mil interações.
A verdade é que a agricultura não parou, continuou a trabalhar para garantir produtos seguros e de qualidade. A agricultura nacional mostrou-se resiliente. Neste momento, temos, não só de a apoiar devido às quebras de rendimento que se preveem neste ano de 2020, mas também de começar a relançar a dinâmica e o investimento no terreno. Esta resposta tem de chegar a todos. Seja a uma agricultura com alguma escala e mais competitiva, seja a uma agricultura de pequena dimensão, de cariz familiar, que tem um papel essencial na ocupação do território e na coesão social, na produção de produtos locais e tradicionais, que abastece os mercados e a restauração, e que tem vindo a apresentar dificuldades com impactos substanciais no rendimento dos produtores agrícolas e na sua economia local. Ambas são essenciais para que possamos retomar a trajetória positiva do setor.
Todas as estratégias de política pública têm como objetivo aumentar a competitividade da agricultura portuguesa. Se formos mais competitivos, produziremos mais, acrescentaremos valor e rendimento aos agricultores e aumentaremos os níveis de autoaprovisionamento do país. E nesta equação não podemos esquecer a necessidade de aumento da sustentabilidade e da busca de um uso cada vez mais eficientes dos recursos. Contudo e embora a aposta na produção nacional seja uma prioridade, não podemos esquecer que estamos inseridos no maior mercado comercial do mundo, com uma PAC que, designadamente num momento difícil como o que atravessamos, trouxe respostas, apoios e medidas. Assim sendo, o conceito de autossuficiência não pode ser reduzido a uma qualquer fronteira que nos separa dos nossos parceiros. O peso específico do complexo agroindustrial nas exportações e a criação de emprego têm sido mais-valias para o desenvolvimento de Portugal, contributos positivos para a balança comercial nacional que queremos aumentar. Perante estes factos e os números que caracterizam o período pré-Covid-19, vamos, sem dúvida, trabalhar pelo reforço da aposta na produção nacional, nomeadamente nos cereais, para os quais existe uma estratégia definida e apesar das condições edafoclimáticas do país. Aliás, este é um dos exemplos em que a inovação, assente em tecnologia acessível a todas e a todos, em partilha de conhecimento cocriado e em capacitação permanente, pode assumir-se como uma ferramenta essencial. Por isso, a breve trecho, apresentaremos a Agenda de Inovação para o setor, a qual desenvolvemos em constante diálogo com produtores, empresários, autarcas, investigadores e parceiros e que procurará trazer respostas para velhos e novos desafios.
Como bem refere, há uma dimensão transversal nos impactos da pandemia na economia portuguesa. Como é óbvio e irrefutável, a não realização de eventos/certames tem efeitos negativos para os agricultores, para os empresários e para as empresas de todo o setor agroindustrial, condicionando a promoção e o escoamento de produtos. Além disso, falamos de iniciativas marcantes e que em muito contribuem para a coesão territorial e para o dinamismo das regiões em que se inserem, alavancando outras atividades como o turismo, o artesanato, a restauração e a gastronomia. No entanto, não podemos deixar de, mais uma vez, salientar a capacidade que o setor demonstrou para se adaptar e reinventar. A pandemia surge e traz desafios desconhecidos e imprevisíveis.
O setor, perante esses desafios, inovou e são múltiplos os exemplos de sucesso em que a relação produtor/consumidor, transitando para espaço online, conseguiu manter-se ativa. Um desses exemplos foi a plataforma que lançámos - www.alimentequemoalimenta.pt -, a qual, aliada a uma campanha de incentivo ao consumo de produtos nacionais, procurou aproximar produtores e consumidores e agilizar o escoamento de produtos diversos. Olhando para o futuro, resta sublinhar que não encaramos a via digital como uma substituição do que são os contactos presenciais, mas sim como um complemento que traz novas e importantes oportunidades num tempo em que o consumidor também pode estar à distância de um clique.
A Agenda de Inovação para a Agricultura 2030 é a estratégia que pretendemos implementar até 2030. Estávamos a trabalhar nesta Agenda antes da pandemia, em que realizamos oito sessões públicas, de Norte a Sul. A última, no Algarve, teve de ser cancelada por razões de confinamento. Se achávamos importante esta Agenda, ela torna-se ainda mais relevante para a retoma económica e social, onde a Agricultura e a Alimentação irão ter um papel fundamental.
Enfrentamos vários desafios, desde o crescimento da população mundial e as mudanças de padrões alimentares, até ao desafio das alterações climáticas e da proteção da biodiversidade. O contexto que estamos a viver, torna mais evidente que temos que nos ajustar, de procurar novas soluções, de encontrar vias que permitam termos uma sociedade que proteja o meio ambiente, valorizando os recursos endógenos, apostando em cadeias de valor inovadoras e competitivas e, contando com um Estado, que promova o seu desenvolvimento. Tudo isto, sem deixar ninguém para trás. A Agenda é o que nos permitirá ter um rumo, uma orientação, com iniciativas emblemáticas desde o uso das novas tecnologias digitais na produção agrícola e gestão dos recursos, até à alimentação sustentável. Para tal, necessitamos de mais conhecimento, de mais inovação.
Como irão beneficiar os agricultores? De várias formas. A primeira, é procurarmos estar todos alinhados, desde os produtores até aos consumidores, passando pelos agentes do territórios e decisores políticos. Este alinhamento permite-nos ganhar eficácia e eficiência. Vamos investir mais na investigação aplicada, na inovação e na formação, incrementando o caminho que já vinha sendo trilhado de uma maior interação entre as instituições de investigação e o setor agroalimentar, criando conhecimento em conjunto e de forma partilhada. É o que nos permitirá ajustar ao novo contexto e responder aos grandes desafios. Vamos ter várias iniciativas para fomentar a competitividade nas cadeias de valor e assegurar a sustentabilidade ambiental e o reforço do tecido socioeconómico nos territórios rurais.
Com o envelope acordado para a PAC, o Ministério da Agricultura considera estarem asseguradas as condições necessárias para que o setor possa superar os desafios que se lhe colocam, garantindo a sua modernização e o apoio a uma transição justa na construção de mais sustentabilidade nos próximos sete anos
A carência de água é um dos principais condicionalismos ao desenvolvimento da agricultura, impedindo a sua modernização e fragilizando as suas possibilidades de sustentabilidade. O Programa Nacional de Regadios (PNRegadios) é estratégico para o país. A agricultura está dependente de muitos fatores, estando-lhe frequentemente associada a palavra incerteza. Neste contexto, o regadio reduz a incerteza relacionada com a variabilidade climática existente pois permite fornecer água às culturas quando elas necessitam. O Programa Nacional de Regadios (PNRegadios) é, por isso, estratégico para o país. As intervenções nele previstas, em novas áreas de regadio e na reabilitação e modernização de outros, têm como missão final a valorização da atividade agrícola, numa ótica de sustentabilidade, contribuindo para a adaptação às alterações climáticas, o combate à desertificação e a utilização mais eficiente dos recursos. Neste pressuposto e até 2023 está previsto um investimento total de 560 milhões de euros, cujo apoio é repartido pelo PDR2020 (280 milhões de euros), para a reabilitação e modernização de regadios, e pelo Banco de Investimento Europeu (200 milhões de euros) e pelo Desenvolvimento do Concelho da Europa (80 milhões de euros), que pretende beneficiar regadios coletivos de dimensão economicamente relevante.
A reabilitação e modernização de infraestruturas hidroagrícolas coletivas tem como principal objetivo garantir o funcionamento mais eficiente e sustentável dos regadios, investindo na modernização das infraestruturas de distribuição de água com o objetivo de reduzir as perdas de água. Os principais constrangimentos associados à reabilitação e modernização dos regadios podem identificar-se os seguintes são: por um lado, as obras de montante elevado, o que obriga a um esforço acrescido na seleção dos investimentos a realizar, tendo em vista a escolha de projetos que se apresentem como uma mais valia em termos económicos e sociais. Um dos critérios de escolha poderá passar pela comparticipação dos próprios beneficiários nesse esforço de investimento. Por outro lado, a modernização passa, frequentemente, pela substituição de um sistema de gravidade para um de pressão e, com isso, verifica-se a possibilidade de se aumentar os gastos com a energia. A solução passará, nomeadamente, pela utilização de energia fotovoltaica tornando a situação menos penalizadora para os regantes.
As alterações climáticas e a água são certamente grandes desafios. Todos temos consciência disso e devemos agir no sentido de minimizar os impactos e tomar antecipadamente medidas e ações para os combater. O subsetor do regadio tem certamente que se adaptar à provável redução das afluências dos cursos de água às albufeiras, mesmo que ligeira. A forma mais racional de o fazer será através do aumento da eficiência de rega. As boas práticas neste domínio poderão, em anos de seca, assumir um caráter obrigatório, com a imposição de dotações máximas por cultura.
A Agenda (de Inovação para a Agricultura 2030) é o que nos permitirá ter um rumo, uma orientação, com iniciativas emblemáticas desde o uso das novas tecnologias digitais na produção agrícola e gestão dos recursos, até à alimentação sustentável. Para tal, necessitamos de mais conhecimento, de mais inovação
"Queremos construir um setor mais sustentável"
Queremos construir um setor mais sustentável – ambiental, económica e socialmente -, competitivo e inovador, sem deixar ninguém para trás.
A agricultura tem um papel fundamental na retoma económica. E por isso apresentámos já um conjunto de medidas que visam promover o desenvolvimento do setor agroalimentar, com efeitos particulares sobre os territórios rurais e em particular no Interior do país. Desde logo, o apoio à instalação de jovens agricultores, discriminando positivamente, os jovens agricultores que se querem instalar pela primeira vez no interior do país. Temos previsto um apoio ao investimento na exploração agrícola, específico para a agricultura biológica, que terá em conta a localização da exploração agrícola em zona interior como critério de prioridade. Estão previstos incentivos para a criação de agrupamentos e organizações de produtores, nomeadamente multiprodutos, onde será tida em conta a localização do Agrupamento de Produtores. Teremos ainda o Instrumento Financeiro crédito BEI (300 milhões de euros), para complementar investimentos novos e em curso no âmbito PDR2020 e para fundo de maneio.
De referir, e como já disse, Portugal conseguiu no âmbito da PAC não só atingir, como ultrapassar, o seu objetivo negocial de garantir o orçamento do período atual, através do reforço do envelope financeiro para o período 2021-2027 de 446 milhões de euro comparativamente ao período de 2014-2020.
Queremos promover a sustentabilidade da agricultura e do território rural, contribuir para a construção de uma agricultura moderna, competitiva e inserida nos mercados, capaz de assegurar uma alimentação saudável no respeito por uma utilização sustentável dos recursos naturais. Mas que englobe todos, a agricultura familiar ou a agricultura mais competitiva, com territórios rurais sustentáveis, desde um regadio eficiente e resiliente, como fator de promoção da competitividade e da previsibilidade da atividade económica, as medidas para proteger a produtividade dos solos, facilitar o acesso à terra, promover a estruturação fundiária nos territórios de minifúndio, assegurar a viabilidade da agricultura familiar, estimular o empreendedorismo rural e a organização da produção e promover novas formas de comercialização e de distribuição de proximidade. Queremos ainda atrair o investimento para o interior e promover a fixação de pessoas nos territórios do interior.
Será uma oportunidade para modernizar o setor, promover a coesão social e territorial. Em que a inovação e o conhecimento terão um papel fundamental numa resposta continuada e sustentável.
Ninguém ficará para trás – essa continuará a ser a nossa prioridade, que nos orientará na construção de uma sociedade justa e inclusiva.
Maria do Céu Antunes nasceu em 1970, em Abrantes. É Licenciada em Bioquímica pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra e pós-graduada em Gestão da Qualidade e Segurança Alimentar pelo Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz.
É a atual Ministra da Agricultura do XXII Governo Constitucional.
Foi Secretária de Estado do Desenvolvimento Regional de fevereiro a outubro de 2019. Foi Presidente da Câmara Municipal de Abrantes durante nove anos e desde 2013 presidiu ao Conselho Intermunicipal da Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo.
Foi membro do Conselho Económico e Social e do Conselho das Comunidades e Regiões da Europa na Comissão Permanente para a Igualdade das Mulheres e dos Homens na Vida Local.
É membro do Comité de Acompanhamento do Programa Operacional Regional do Centro - Centro 2020, e da Comissão Executiva da Entidade Regional do Turismo Centro de Portugal, presidindo também à direção da TecParques – Associação Portuguesa de Parques de Ciência e Tecnologia.
Recebeu as distinções 'Autarquia+Familiarmente Responsável', 'Prémio Municipal Viver em Igualdade', prémio 'The Tesla Sustainable Leadership Award' categoria Liderança, 'Prémio Women of the Decad in Public Life', Galardão da All Ladies League.